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LIBERDADE

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba. ” (Guimarães Rosa)

Escreveu o grande Machado de Assis numa das suas Notas Semanais que os alemães dizem que “duas metades de um cavalo não fazem um cavalo”. Herdeiros da sabedoria popular saxônica, os germânicos sintetizaram uma realidade imutável.

Com a nossa Constituição esquartejada pelos que têm o poder republicano de legislar, judiciar e administrar, assisti-os discutirem sobre a liberdade de expressão. Fazem-no como mutiladores de cavalos, ficando um com a cabeça; outro com o dorso, peito e quadril; e o terceiro com as quatro patas e o rabo.

Esta partilha política não externa o que os amantes das liberdades democráticas desejam, a garantia do direito de emitir o seu pensamento, agrade ou não os que o leem ou ouvem. Nada mais inofensivo e fácil de fazer do que respeitar a opinião alheia.

Para entrar na polêmica, faço-o com uma declaração de princípio: Alinho-me entre aqueles que, sem nenhuma retórica, andam com os pés no chão e uma lanterna na mão (como Diógenes) em busca da liberdade, da justiça e da paz. Isto completa minha vida política.

As proibições são sem dúvida opressoras. Mas tradições democráticas, monárquicas ou republicanas, baseadas em fontes constitucionais estabelecem princípios pétreos garantindo a liberdade de expressão; entretanto, como declarou o ministro do STF Alexandre de Moraes: ‘Liberdade de expressão não é liberdade de agressão’.

Infelizmente, há quem use e abuse da “liberdade de agressão”, franquiada pelo próprio presidente da República.

Para mim, a melhor maneira de garantir a liberdade é exerce-la e, exercendo-a, exigir a punição dos que a usam fraudulentamente para extingui-la. Não há crime político mais horrendo do que pregar sistemas ditatoriais, defender o totalitarismo e elogiar a tortura e os torturadores.

Considero, também, que deve se abrir nas redes sociais o debate levantando este tema, crucial para o cultivo das liberdades democráticas; mas não da boca para fora ou na rápida digitação de um texto.

Pelos anos que navego nas redes sociais sinto que muito poucos tuiteiros, mesmo entre os mais radicais defensores de um regime menos exclusivo, se declararam contra a liberdade; e tenho a quase certeza que um número muitíssimo menor defenderá a “liberdade de agressão”.

Há quem discorde de sentenças judiciárias do Supremo Tribunal Federal. Eu mesmo não engoli até hoje a pílula amarga da decisão em inocentar Lula da Silva, inegavelmente um patinador nas pistas da corrupção. E para cometer esta impunidade absurda, varrer para debaixo do tapete a delação do ex-ministro Antônio Palloci.

Embora não aceite esta decisão dos ministros togados, jamais pediria o fechamento da Corte, e muito menos atacaria pessoalmente cada um dos seus membros por sentença baixada. Faço as minhas críticas sem confundir “expressão” com “agressão”; deixo isto para elementos fascistóides praticantes do terrorismo político.

Os cariocas têm um ditado que a sabedoria popular consagrou: “o respeito é bom, e eu gosto”, esta máxima deve ser usada à larga por todos, homens e mulheres, crianças e velhos, gente de qualquer cor da pele.

A lembrança da infame Inquisição inspirou Nietzsche a dizer que: “Eu jamais iria para a fogueira por uma opinião minha, afinal, não tenho certeza alguma. Porém, eu iria pelo direito de ter e mudar de opinião, quantas vezes eu quisesse”.

Assino embaixo, porque só assim a Democracia (com “D” maiúsculo) se imporá. No tempo em que haviam engraxates meu pai me ensinou que eu deveria trata-lo como trataria o presidente da República. Esta metáfora hoje é esquecida como também o Hino da Proclamação da República. “Liberdade, Liberdade, abre as asas sobres nós”.

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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