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Troca-língua e falsificação da História

Muitos escritores que se inspiraram em projetar o futuro se tornaram profetas. H. G. Wells foi um deles no campo das ciências e George Orwell na ficção política. Combatendo todas as formas de totalitarismo, Orwell, militante comunista e herói na defesa da República Espanhola contra a intervenção fascista, escreveu um clássico de futurologia político-social, o romance “1984”.
O ano 1984 ficou lá atrás, mas o livro escrito em 1942, se não me engano, empurrou para 30 anos à frente a denúncia contra o estado policial na antiga URSS e nas ditaduras de direita nazi-fascistas. Não foi uma condenação à experiência socialista vivida mais tarde no leste europeu e alguns países asiáticos e africanos, nem à heróica Cuba; foi uma proclamação condenatória aos regimes de exceção em conceito lato de espaço e tempo, na geografia stalinista e nas ditaduras militares estimuladas pelos EUA.
Duas coisas curiosas foram criadas por Orwell para sustentar o regime de um partido único de privilegiados no país fictício da Oceania. Um deles foi a manipulação da linguagem através da novilíngua controlada pelo Ministério da Verdade, e a Polícia do Pensamento que vigiava as pessoas a qualquer hora e em qualquer lugar.
Sem nenhuma semelhança atual, o partido dominante definia sua dialética através de três princípios: “Guerra é Paz”, “Liberdade é Escravidão” e “Ignorância é Força” e de época em época adotava programas de desenvolvimento econômico batizados de PLAT – planos trienais, com que entusiasmava a militância com uma propaganda intensa prometendo mudanças para melhor.
A novilíngua é o uso de eufemismos e metáforas; expressões para suavizar a dureza enfrentada pela cidadania e a transferência de palavras para um campo semântico que não é o objeto real a que se refere. Os grupos fechados, partidos ou igrejas, sempre adotam uma terminologia própria, com termos e expressões que seus membros usam naturalmente.
Meus primeiros estudos quando participava do partido comunista, incluíram as lições de um ideólogo chinês (ou coreano?) Liu-Shao-Shi, divulgadas na brochura “Como evitar o uso da terminologia no cumprimento das tarefas do partido”. Shao-Shi dizia que o militante deve impor confiança às massas e o melhor caminho para isso é falar a linguagem dela. Mas todo cuidado para cumprir os ensinamentos do livrinho de título gigantesco, não evitava que adquiríssemos a nomenclatura de grupo. Lembro-me até de um interrogatório onde um tira mandou que eu confessasse ser comunista porque só os comunistas usavam como eu, a palavra “solidariedade”.
Bem, todos sabem que o Brasil vive seus dias de novilíngua. O assalto à coisa pública feito pelos companheiros como no caso do mensalão não é ato ilícito, mas erro. Violações ilegais, como no caso do caseiro Francenildo, são desvios de conduta, concussões motivadas por estresse. Uso de dossiês fraudulentos e porte de dinheiro ilegal não é crime, mas alopração.
Há um mês mais ou menos, quando aqui esteve o Papa Bento XVI, tivemos um exemplo mais que perfeito saído da boca de Lula da Silva. Entrevistado pela Rádio Aparecida comparou as denúncias de compra de votos de parlamentares na Câmara Federal com as perseguições sofridas pelos religiosos da chamada Igreja progressista na ditadura militar. O PT – governo e os padres da Teologia da Libertação foram vítimas de um processo de difamação movido pela direita reacionária.
É assim que se distorce o conceito histórico. Não contente em fazê-lo, o aprendiz de ditador faz comparações para estimular o culto da própria personalidade… Como a ideologia dos pelegos é a política de resultado; os que dominam o poder não fazem outra coisa a não ser trabalhar pelo continuísmo, seja por via democrática ou outras. E assim caminha o nosso pobre Brasil.
Miranda Sá

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