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Artigo publicado n’ O Jornal de Hoje (Natal,RN)

O discurso do Ministro – E o pigarro

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Dezenove dias depois da denúncia de enriquecimento galopante, enquanto assumia o comando da campanha eleitoral de Dilma com aceno de que ocuparia a Casa Civil, Palocci gravou uma entrevista para a TV-Globo.

É importante grifar o verbo gravou. Um programa televisivo gravado é diferente de uma apresentação frente às câmeras “ao vivo”. Mesmo assim, o Mosquera, entrevistador, não foi tão mal quanto os cortes de edição…

A fala do Ministro foi um fiasco. E o seu pigarro nervoso acentuou a insegurança de uma autoridade como ele, nunca vista antes neste País…

As revelações do seu enriquecimento foram pífias, mas houve um, em particular, que nem o mais bronco dos indivíduos, nem os petistas mais fanáticos, podem engolir: o pagamento adiantado dos seus clientes de um contrato reincidido por ele.

No mundo empresarial o exemplo é único e a nível do Direito Comercial é impensável e intolerável. O prejudicado pagar ao prejudicante…

Entre as irregularidades e desvios que se lhes apontam as denúncias da reportagem investigativa – a começar pela Folha de São Paulo e ampliada em vários outros órgãos da imprensa – nada foi falado no discurso do Ministro.

Do ponto de vista político – e é aí que a porca torce o rabo – a coisa ficou ainda mais incompreensível. Palocci afirmou pigarreando que não contou à presidente Dilma a evolução do seu patrimônio, nem deu os nomes dos clientes, nem a natureza dos serviços prestados por sua consultoria.

Segundo ele, e está gravado em VT, sua situação empresarial não foi discutida no convite para coordenar a campanha, nem ao ser sondado para assumir a Casa Civil, nem mesmo agora, depois do faturamento de R$ 20 milhões em 2010, ano da campanha eleitoral e no exercício de mandato parlamentar.

Ainda no campo político – e desta vez voltado para a opinião pública – as “explicações” de Palocci se resumiram a mantras, repetitivos e destoantes, “não cometi irregularidades ou desvios” e “tudo teve as contas prestadas na Prefeitura de São Paulo e na Receita Federal”.

Surfando na onda jurídica o chefe da Casa Civil (triste Casa Civil, que teve Zé Dirceu e Erenice Guerra) apelou para o respeito à confidencialidade, para não revelar o nome dos seus clientes, e pediu “provas” sobre seu “desvio de conduta” e “irregularidades nas atividades da empresa Projeto”.

Na minha modesta opinião, não se precisa de provas para desconfiar de uma consultoria, cujo faturamento é muitas vezes superior às congêneres no mercado, mais antigas e mais experientes. Esta constatação ultrapassa a fronteira das suspeitas.

Palocci confirmou que a Projeto faturou R$ 20 milhões no ano passado. Sobre essa informação cabe algumas perguntas, além da importância fundamental de conhecer os seus clientes generosos, capazes de pagar uma rescisão de contrato, em vez de multá-lo por isso.

Indago, por exemplo, qual realmente era o tipo de serviço prestado pela Projeto?  Como garantir que Palocci não usou os seus poderes governamentais para atender seus clientes? Será possível comentar se houve “restos de campanha” contribuindo na arrecadação da consultoria?

Creio que seria necessário responder uma pergunta simples e direta: Por que não é levado ao público as respostas ao questionário da Procuradoria Geral da República, confirmando que, como diz Palocci, “nenhuma informação da minha empresa é secreta”?

Finalmente, repito uma provocação que colhi no Twitter: Por que Palocci trocou o milionário escritório de consultoria pelo contracheque mixuruca de ministro?

Não sei se a essa altura o chefe da Casa Civil foi demitido ou está demissionário, mas uma coisa tenho certeza: no discurso do Ministro o pigarro o traiu.

Miranda Sá

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