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O Discurso do Rei e a gagueira política

MIRANDA SÁ E-mail mirandasa@uol.com.br

O filme “O Discurso do Rei” não foi feito para qualquer um, mas foi muito bem feito e merecedor dos oscars que recebeu. O resumo das bases do Império Britânico em momentos difíceis da política internacional, e os bastidores do trono, são mostrados com isenção e clareza, mesmo para quem não foi (ou não é) um bom estudante de História.

Na esteira da historicidade, um paradoxo: enquanto as nações européias mergulhavam na angústia de optar entre dois regimes, o fascismo itálico-germano e o comunismo soviético, o rádio vivia sua idade do ouro.

Como a televisão hoje, o rádio ocupava o lugar nas salas de visita, e, na sofreguidão em que acessamos a Internet para receber informações, o horário do noticiário atraía as atenções até nos bares e salões de bilhar.

Críticos mais acurados e historiadores sempre precavidos diante da contemporaneidade viram na fita o rádio como principal protagonista. Hitler usava-o com excepcional destreza, e Stálin criou um programa para levar um aparelho radiofônico a todas as casas da URSS.

N’ “O Discurso do Rei” o príncipe Albert Frederick Arthur George, gago, enfrentava os microfones com extrema dificuldade e por causa dessa deficiência não queria ser rei, coroado por renúncia do irmão, Edward, duque de Windsor, e a imposição do conselho imperial.

Aplaudindo a fita, divagamos sobre a gagueira, esse embaraço fônico, cuja origem até hoje dá trabalho aos médicos e cientistas.

Os gagos atraem a atenção dos que os cercam. A dificuldade de se expressar, mastigando as consoantes e ruminando as vogais é motivo de aflição e dó para a maioria das pessoas; para os maus, razão de hilaridade.

Ocorre que o distúrbio físico, segundo uma escola da psicanálise, é fácil de contrair e igualmente fácil de curar. Outros temem que a gagueira, como problema emocional, provoque um surto entre os que convivam ou conversem com um gago.

Em verdade, a grande maioria dos gagos se liberta do problema, adquirindo segurança em si próprio (como no caso de George VI) voltam a falar com desenvoltura, como ocorreu com várias personalidades da História, Moisés, Demóstenes, Aristóteles, Isaac Newton, Charles Darwin e Churchill.

Demóstenes foi considerado o maior orador da Antigüidade Clássica e a sua cura da gagueira ficou famosa. São poucos os alfabetizados que não ouviram falar que ele enchia a boca com seixinhos e, na beira-mar fazia discursos, repetindo as palavras mal pronunciadas à exaustão, até que conseguiu falar correta e empostadamente.

Como todos os embaraços corpóreos teem os seus correlatos comportamentais, temos, a meu modo de ver, a gaguez política, não fruto de problemas da infância ou timidez diante de determinadas situações ou conflitos afetivos.

A gagueira política é produto da insinceridade, desfaçatez e hipocrisia de muitos espertos que ocupam funções públicas, pelo voto ou compadrio. O vídeo televisivo que tudo revela, mostra com clareza quando um político pratica o popular “enrolation”.

Mal saídos de uma campanha eleitoral, assistimos nos programas da Justiça Eleitoral centenas de exemplos de atrapalhação; e, nos debates de cargos majoritários, visíveis abalos diante de questões mal resolvidas.

É inesquecível a cara da atual presidente Dilma Rousseff quando ouviu uma pergunta sobre o aborto, tema que ela já havia abordado, mas estava sendo remexido por grupos religiosos; seu adversário, José Serra, liberal e ex-ministro de FHC, se perturbou quando falaram de privatização..

Dilma e Serra não gaguejaram tanto quanto o fizeram outros candidatos, dezenas de fichas sujas, atribuindo-se honradez e honestidade, mentindo descaradamente diante do eleitorado…

Miranda Sá

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