Categorias: Notícias

Poesia – Sylvia Plath

OS MANEQUINS DE MUNIQUE

A perfeição é horrível, ela não pode ter filhos.
Fria como o hálito da neve, ela tapa o útero

Onde os teixos inflam como hidras,
A árvore da vida e a árvore da vida.

Desprendendo suas luas, mês após mês,
sem nenhum objetivo.

O jorro de sangue é o jorro do amor,
O sacrifício absoluto.

Quer dizer: mais nenhum ídolo, só eu
Eu e você.

Assim, com sua beleza sulfúrica, com seus
sorrisos

Esses manequins se inclinam esta noite
Em Munique, necrotério entre Roma e Paris,

Nus e carecas em seus casacos de pele,
Pirulitos de laranja com hastes de prata

Insuportáveis, sem cérebro.
A neve pinga seus pedaços de escuridão.

Ninguém por perto. Nos hotéis
Mãos vão abrir portas e deixar

Sapatos no chão para uma mão de graxa
Onde dedos largos vão entrar amanhã.

Ah, essas domésticas janelas,
As rendinhas de bebê, as folhas verdes de confeito,

Os alemães dormindo, espessos, no seu insondável desprezo.
E nos ganchos, os telefones pretos

Cintilando
Cintilando e digerindo

A mudez. A neve não tem voz.

Sylvia Plath

Foram os últimos poemas escritos por Sylvia Plath. A 11 de Fevereiro de 1963, com 31 anos de idade, no seu apartamento de Londres, a poetisa punha termo á vida. Deixava dois filhos de tenra idade, um marido de quem estava a separar-se, um romance, A Campânula de Vidro, publicado apenas três semanas antes sob pseudónimo, um primeiro livro de poesia, The Colossus, de 1960, e vários textos inéditos. A recolha Ariel, organizada pelo viúvo, o poeta Ted Hughes, foi editada dois anos após a morte se Sylvia Plath, mostrando-a na maturidade do seu génio poético. Posteriormente vieram à luz duas outras colectâneas de poemas, Crossing the Water e Winter Tress (este inclui também a peça Three Women), além de um volume de correspondência organizada pela mãe, Letters Home, e de uma selecção de histórias, artigos e excertos de diário, Johnny Panic and the Bible of Dreams, também da responsabilidade de Ted Hughes. As circunstâncias da vida e da morte de Sylvia Plath criaram uma mitologia à sua volta que, mais do que esclarecer, tem contribuído para confundir as interpretações da sua obra. Uma coisa é certa: é uma obra forte, alheia a convenções, arrebatada e arrebatadora.

Provavelmente de fundo autobiográfico, reflectindo uma ânsia de perfeição e verdade que a existência lhe negou. Na introdução à edição americana de Ariel, diz Robert Lowel: “tudo nestes poemas é pessoal, confessional, sentido, mas a maneira de sentir é alucinação controlada, a autobiografia de uma paixão. Esta poesia e esta vida não são uma carreira; dizem que a vida, mesmo quando disciplinada, simplesmente não vale a pena ser vivida”. Sylvia Plath nasceu em Boston, Massachusetts, de ascendência alemã e austríaca. Era uma menina dotada e ambiciosa, apoiada por um pai simultaneamente amado e odiado que morreu quando ela tinha oito anos. Na mãe, detestava o sentido da domesticidade. Adolescente, tem o privilégio de frequentar um estágio na Mademoiselle de Nova Iorque, que lhe inspira a matéria de A Campânula de Vidro (incluindo a tentativa de suicídio de heroína e o tratamento à base de choques eléctricos a que é submetida). Morre inacabada.

Marjorie Salu

Compartilhar
Publicado por
Marjorie Salu
Temas: sylvia plath

Textos Recentes

FALANDO GREGO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) Clássico é clássico; não foi por acaso que Shakespeare criou expressões que…

13 de outubro de 2025 18h05

DAS PAIXÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Civilização significa tudo aquilo que os seres humanos desenvolveram ao longo dos anos para se sobrepor…

8 de outubro de 2025 8h55

DAS PROIBIÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a…

30 de setembro de 2025 18h41

Augusto Frederico Schmidt

As chuvas da primavera Em breve virão as chuvas da Primavera, As chuvas da primavera Vão descer sobre os campos,…

25 de setembro de 2025 20h00

DE MURMÚRIOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo…

24 de setembro de 2025 12h03

Marina Colasanti

Outras palavras Para dizer certas coisas são precisas palavras outras novas palavras nunca ditas antes ou nunca antes postas lado…

21 de setembro de 2025 20h00