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Para ler devagarinho e fazer uma reflexão

Entrego às amigas e amigos que me prestigiam com a leitura deste Blog, um artigo escrito pelo senador Cristóvam Buarque, do PDT/DF, que em matéria de educação mantém o discurso original do seu partido e como educador dá curso à linha traçada por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro; abre aspas:

O terceiro muro

O Brasil começou a ser construído pela força dos braços dos escravos, desenvolveu-se pela habilidade das mãos dos operários, mas só avançará com o toque competente dos dedos dos operadores no mundo digital. Essa migração dos braços dos escravos para os dedos dos operadores aconteceu exigindo uma crescente qualificação.

Ao escravo bastava a força; ao operário, força e algum treinamento. Mas os operadores atuais precisam de formação, qualificação e educação. A produção de açúcar, ouro e café consumia mão-de-obra e terra; a indústria exigia, além de mão-de-obra e recursos naturais, o capital-máquina. A produção do futuro vai exigir poucos recursos naturais, quase nenhuma mão-de-obra e muita ciência e tecnologia – elementos que compõem o capital-conhecimento. A passagem da escravidão para a liberdade exigiu a abolição; para a economia industrial com o trabalho livre do operário, foram necessários investimentos e treinamento; para a economia do conhecimento, vai ser preciso uma revolução educacional.

Não é possível formar o capital conhecimento sem boas universidades, e estas não surgirão em todo o seu potencial enquanto, no Brasil, apenas um terço da população jovem concluir o Ensino Médio, e com má qualidade.

Mas a elite brasileira ainda não entendeu a mudança em curso. Os conservadores, contentes com o atual estado das coisas, acham que basta o tempo para a economia crescer, nos mesmos padrões do capitalismo do século XX. Os chamados progressistas, descontentes com a realidade, acreditam que basta copiar os modelos e métodos do socialismo do século XIX. Os primeiros acham que não é preciso mudar, apenas seguir o rumo do passado. Os outros, que a mudança deve ser feita sem mudar o projeto e os conceitos herdados do passado. No tempo dos operadores digitais, ainda continuam acreditando que a vanguarda do progresso social está no proletariado da mão-de-obra dos operários, que estão se transformando em operadores ou em trabalhadores terceirizados e sem qualificação.

A libertação não está mais na economia nem na estatização, mas na educação e na distribuição do conhecimento. A utopia não é mais uma economia controlada pelo estado que distribui renda, mas um processo social que garanta a mesma chance a todos, e isso só se consegue com uma escola igual para todos: a escola do filho do pobre com a mesma qualidade da escola do filho do rico. Esse é o gesto revolucionário do século XXI. O único capaz de transformar operários em operadores, libertá-los das necessidades e derrubar o muro da desigualdade. Essa é a luta que substitui o objetivo da abolição, do século XIX, e do socialismo, no século XX.

Só a escola igual para todos, e com qualidade máxima, vai permitir que o Brasil derrube o muro da desigualdade, assegurando a mesma chance a cada brasileiro, e também o muro do atraso, avançando para uma economia do conhecimento.

Para derrubar esses dois muros, é preciso derrubar outro: o muro do atraso mental, da consciência atrasada, parada nos séculos XIX ou XX. A chamada esquerda tradicional se recusa a entender essa mudança na realidade e a defender esse novo conceito de revolução. Há uma razão classista, talvez subjetiva: a revolução na educação terá um efeito distributivo sobre a propriedade do conhecimento e, portanto, sobre o acesso aos privilégios que o saber assegura. Se a escola fosse boa para todos, muitos dos que já entraram na universidade teriam ficado de fora, superados pela educação da maioria, hoje excluída.

Tudo mudou, menos a luta de classes entre os que têm e os que não têm – não mais terra, como no tempo dos escravos; ou capital, como no tempo dos operários; mas conhecimento, nestes tempos de operadores. A revolução consiste em fazer uma educação capaz de transformar operários em operadores.

Mas a esquerda, representante da classe média, tornou-se política, social e ideologicamente conservadora, não derrubou o terceiro muro, e ainda se beneficia dele para proteger seus privilégios de classe dona do conhecimento.

Miranda Sá

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