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Míriam Leitão comenta

Balanço das horas

Num dia especialmente difícil para os bancos internacionais, um grupo brasileiro anunciou a compra de um banco que era do suíço UBS. O Pactual, nascido na época em que surgiram vários bancos de investimento no Brasil, volta, assim, às mãos de André Esteves. Perguntei ao economista Pérsio Arida se é uma boa hora de comprar banco, e ele disse: “Se for no Brasil, sim.”

— Os bancos brasileiros chegaram tarde na festa, nunca tiveram os graus de risco e alavancagem de 30 a 40 vezes das instituições internacionais. O do Bear Stearns chegou a ser 50 vezes, e o do Pactual é três vezes e meia, menos de quatro.

Ontem foi dia de circular boatos e relatórios sobre os bancos americanos não terem passado no teste de estresse do Departamento do Tesouro. O teste faz parte da arquitetura desenhada pelo Tesouro para recapitalizar os bancos e livrá-los dos ativos tóxicos. Para evitar “pôr dinheiro em buraco negro”, como disse o presidente Obama, os balanços dos bancos foram submetidos a auditorias para saber como reagiriam a cenários piores para a economia americana. Só os solventes, em qualquer cenário, receberiam recursos públicos. Na semana passada, circulavam informações de que eles teriam passado, mas que os testes não eram suficientemente realistas. Ontem, a notícia era de que 16 dos 19 bancos ficariam insolventes, e isso derrubou o humor do mercado, apesar de o Bank of America ter anunciado lucro no primeiro trimestre, seguindo outros bancos americanos que também foram para o azul. Pérsio Arida tem uma explicação para os resultados positivos.

— Vários ativos que pioraram estavam segurados na AIG. Então, os bancos recebem o seguro, mas a AIG tem um buraco crescente. Este é um elemento do resultado. Como os buracos da AIG têm sido cobertos com dinheiro público, o que está acontecendo é, para usar um termo antigo, a socialização do prejuízo.

Pérsio é do escritório de Londres do BTG, de Esteves, que acabou de recomprar o Pactual por US$ 2,5 bilhões do UBS. O banco suíço enfrenta dois tormentos: os rombos nos ativos e a pressão dos órgãos regulatórios dos EUA por contas não declaradas de americanos. O fato já deu muito pano para manga, o banco teve que pagar multa de US$ 780 milhões, divulgar a lista de 300 correntistas, mas a Justiça dos EUA quer informações sobre outros 52 mil correntistas de cidadania americana, que estariam sonegando informações à Receita do país.

Com tanto problema, é natural que o banco quisesse vender ativos fora do país. O Financial Times explicou que esta foi a forma de o UBS cobrir prejuízo de US$ 1,7 bi no primeiro trimestre. Foi nesta oportunidade que entrou o grupo brasileiro, recomprando o Pactual. Aliás, parte do resultado positivo do Bank of America foi pelas vendas de ativos da Merrill Lynch em outros países, como a China, por exemplo.

O BTG tem escritórios no Rio, em São Paulo, Londres, Nova York e Hong Kong. O Pactual é um dos ativos e tradicionais bancos de investimento no Brasil.

— Temos 35 pessoas só em Londres, administrando recursos. Agora vamos ser banco de investimento, mas com uma grande plataforma internacional — diz.

Pérsio é um dos autores dos textos originais que levaram aos planos de estabilização do Brasil e um dos formuladores do Plano Real. De Londres, onde tem morado nos últimos tempos, o economista acha que aqui não se tem ideia de como a economia britânica foi afetada pela crise.

— A crise na Inglaterra parece muito pior. A economia inglesa não tem a base industrial e agrícola dos Estados Unidos. Por isso, parece mais afetada. Aliás, as duas ilhas, Inglaterra e Japão, estão duramente afetadas. As quedas nos preços das casas em Londres são muito fortes. Lojas têm sido fechadas. É uma sensação que não se tem no Brasil.

Ele diz também que outra frente complicada da crise é o Leste Europeu.

— A Hungria, todos os países da Europa Oriental, estão como a América Latina nas nossas crises, com muito endividamento em moeda estrangeira, com ativos em moeda local e, em alguns casos, câmbio fixo.

Pérsio compartilha da ideia de que o Brasil vai bem, está melhor protegido que outras regiões, e não tinha seu mercado financeiro exposto aos riscos que arruinaram outros países.

— Mas estamos inseridos no mundo e tudo depende da trajetória. Um cenário de crise longa é mais difícil para o Brasil também. Os números não serão negativos sempre. Um dia, eles vão ficar positivos, ainda que o mundo não volte a crescer como antes.

Desde que começou a crise, o Itaú-Unibanco já comprou a operação da AIG no Brasil, da qual o Unibanco era sócio; e o grupo BTG comprou a operação da Lehman Brothers aqui, ainda que não a tenha posto em atividade, e agora comprou o Pactual do UBS. Após essa operação, o banco deixa totalmente o Brasil.

Os balanços dos bancos nos EUA e na Europa ainda têm muito a mostrar de prejuízo antes que se possa comemorar o fim desta crise. Os resultados positivos divulgados nos últimos dias pelos bancos americanos têm várias explicações, mas não tem analista achando que isso é sinal do fim da crise.

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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