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ENTREVISTA

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Quando uma religião começa a dominar, tem como adversários os que foram seus primeiros adeptos” (Nietzsche)

Novelista de imaginação fabulosa, o escritor ítalo-argentino Pitigrilli trouxe na sua literatura de ficção um jornalista que entrevistou Deus; a crônica mostra que este apareceu à meia-noite no quarto do repórter assustando-o.

Vou parodiar a historieta, criando outra personagem de jornal que recebeu também a mesma visita. E ouviu do madrugante que revelou:  – “Sou Deus”, disse, desfazendo a dúvida do sonolento jornalista, revelando pelo semblante a incerteza da identidade do personagem, e falou: – “Aparecendo a essa hora acordando-me abruptamente, não preciso conhecer Teologia para presumir que és o Diabo”.

– “Não importa o que pensas de mim; quero ser entrevistado como o Deus que está na Bíblia, aquele que transformou a mulher de Lott em estátua de sal, que mandou as sete pragas para o Egito, fez da vara de Aarão uma cobra e castigou com conjuntivite a Santa Genoveva pela curiosidade olhando pelo buraco da fechadura”….

Assim, o jornalista se sentiu mais seguro e disse: – Concordo, mas pensava que Deus teria outra maneira de se apresentar…” E foi de pronto replicado: – Querias que eu me revelasse como uma sarça ardente, como fiz com Moisés? Fez uma pausa e repetiu: -“Quero ser entrevistado, tu serás uma pessoa que falou com Deus”.

Pegando passivamente caneta e papel, ouviu do hóspede inesperado: – “Venho de público lembrar às pessoas que me pedem uma ajuda pessoal para esquecerem isto; tenho milhões de sistemas universais para cuidar e não me é possível ajudar ninguém a ganhar na loteria ou resolver casos conjugais ou solucionar problemas com um cano furado…”

Este introito basta para certificar-nos de que este não era o Diabo, mas o Deus das pessoas inteligentes como Spinoza, que se refere ao Altíssimo como a “Alma do Universo” e que Einstein afirmou não aceitar um deus que se preocupe em atender necessidades pessoais….

Assim, uma criação imaginária ganha força de argumentação para as pessoas que não pagam a fraudadores que se apresentam como intermediários entre o crente e Deus; e levam ao evangelho de Mateus (VII,6): “Não deis coisas santas aos cães e não lanceis pérolas diante dos porcos, com medo que pisem nos nossos pés ou se voltem e vos despedacem”.

Na sua fantástica herança intelectual, o pastor autêntico Martin Luther King nos esclareceu alertando que:  – “A religião mal-entendida é uma febre que pode terminar em delírio”; e presume-se que seja o que ocorre no círculo íntimo da Família Bolsonaro ao defender o pastoril corrupto do Ministério da Educação.

Deixa-nos dúvidas se é realmente incompreensão ou cumplicidade. O ouro reluz nos olhos ávidos de quem praticou a rachadinha e recebeu cheques de origem suspeita e sem uma explicação lógica; talvez por isso assistimos o capitão Bolsonaro defender o ministro Milton Ribeiro e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, que indicou e sustentou no Ministério.

Foi criminosa a ação de lobistas para liberar verbas federais como foi crime mantê-los e acumpliciar-se com eles: está no Código Penal como formação de quadrilha. Para tirar o corpo fora, Bolsonaro agora “joga no mato” (como se diz no Sertão) seu Ministro.

Poderia ter sido antes, pois Ribeiro perdera há muito o apoio da ala militar, da maioria do Centrão e de parte do seguimento evangélico; ficou mais tempo porque não passava de um fantoche.

Há quem tenha se revoltado mais com a foto na Bíblia do Pastor-Ministro do que com as propinas; mas o que a Cidadania exige é honestidade dos ocupantes do Poder. Para os hipócritas, Nietzsche tem um recado: – “Quando colocamos a verdade de cabeça para baixo, geralmente não notamos que também nossa cabeça não se acha onde deveria estar”.

Marjorie Salu

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