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Charlie Hebdo

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Não foi na escola, nem nos livros, as maiores lições de Democracia que recebi; foram do meu pai. Ele me dizia: – “Trate o engraxate (naquele tempo os havia) igual ao presidente da República (era Getúlio Vargas)”. E completava: – “Não permita que ninguém se imponha como superior a você e muito menos que lhe impeçam de falar…”

Com o tempo, aprendi formas eruditas de comprovar a justeza das teses paternas, e que a Democracia e Liberdade são irmãs gêmeas. As duas representam a garantia de proteção dos direitos humanos fundamentais, da expressão do pensamento e de adotar qualquer religião ou filosofia de vida.

Na adolescência mergulhei nas obras de Voltaire apaixonando-me pela sua participação na vida política e cultural do século XIX, e pelos conceitos válidos até hoje que deixou. Um deles se impõe nos dias turbulentos que atravessamos:”Eu não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito de dizê-las”. Refiro-me ao brutal atentado dos terroristas na França contra a revista satírica Charlie Hebdo.

Das charges publicadas pelo semanário ateísta francês de que tomei conhecimento, ri-me de umas, estive de acordo com algumas e achei inaceitáveis outras. Mesmo diante de provocações pesadas e incivis contra a crença religiosa islamita, eu jamais aceitarei a violência estúpida do terrorismo, acarretando destruição, morte e a sensação de insegurança. Em minha opinião, nada justifica isto, como quer meia dúzia de extremistas

Deixemos claro que a ação contra Charlie Hebdo não foi para vingar o Profeta, em que os tresloucados se arriscaram ao martírio na antevisão das 72 virgens no Paraíso prometidas aos jihadistas nos versos do Alcorão.

Se fosse por amor a Maomé, não teríamos uma impotente vigilante morta na calçada, pois não o ofendeu! Também nada fizeram contra o fundador do Islã os reféns, empregados e fregueses da mercearia kosher…

O que se viu, na verdade, foi uma investida totalitária, criminosa, contra a liberdade de expressão e de imprensa; crime, aliás, que se estendeu com o incêndio do jornal alemão Hamburguer Morgenpost.

Condenável é culpabilizar os cartunistas e redatores da Charlie Hebdo, vítimas da intransigência fascista contra a divulgação de idéias contrárias. Os defensores desta tese são cúmplices intelectuais da intolerância e dos assassinatos.

Em minha opinião, quem defende o Terror, mesmo com tímidos “mas, mas”, é contra a Liberdade que se afirma e se completa em si mesma como um amálgama no vitral colorido das várias democracias, unindo-as através de princípios e práticas que as distinguem de outras formas de governo.

Os brasileiros que sofremos hiatos antidemocráticos, principalmente nos períodos ditatoriais de Vargas, 1937-1945, e dos militares, 1960-1985, mas a reação intelectual de muitos permitiu-nos assistir ambos os regimes de exceção cair de podre.

E apodrecerão mais cedo ou mais tarde as ideologias mumificadas postas na vitrine para justificar ditaduras narco-populistas da América Latina e do Brasil, cujos chefes não compareceram à histórica manifestação de Paris em repúdio às seitas radicais do medievalismo contemporâneo.

Voltaire, no seu “Dictionnaire philosophique”, critica os costumes ridículos, as leis imperfeitas e as opiniões insensatas, mas defende o direito individual e coletivo às liberdades e aos deveres de todos que vivem em sociedade.

É por isso que venho conclamando os bem-pensantes a lutarem por um Brasil livre do chavismo canhoto que o lulo-petismo quer nos impor. A consciência patriótica nos obriga a defender os nossos direitos e a nossa liberdade, definida por George Orwell: “Se a liberdade significa alguma coisa, é, sobretudo, o direito de dizer às outras pessoas o que elas não querem ouvir”.

Miranda Sá

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