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Artigo saído n’ O Jornal de Hoje (Natal/RN)

Ainda sobre a “esquerda”: O socialismo libertário

MIRANDA SÁ (E-MAIL: mirandasa@uol.com.br)

Nos fins do século XIX discutia-se muito o “socialismo libertário”, que hoje anda esquecido na literatura específica e sem abordagem até mesmo nos capítulos da História da Civilização. O engraçado é que o socialismo libertário nada mais é do que o Anarquismo.

Houve um tempo em que o Anarquismo assustava a Europa, as tendências socialistas e as incipientes escolas sociológicas; isto explica o motivo dos seus teóricos e doutrinadores suavizaram o nome ao expor as bases teóricas do movimento.

Um dos mais respeitados escritores anarquistas dos oitocentos, o geógrafo Elisée Reclus, foi quem eliminou o disfarce, escrevendo com genialidade: “O dragão que está à entrada do palácio anárquico, nada tem de terrível: é uma palavra, apenas”.

Por causa das enriquecedoras discussões que mantemos na Rede Social, resolvi folhear alguns livros da bibliografia socialista e encontrei na estante que herdei do meu pai, com antiga encadernação e folhas amareladas, um livro do escritor português Silva Mendes, editado em 1896.

O trabalho, respeitadíssimo, “O Socialismo Libertário, ou Anarquismo” é pura História. Nada tem de parecido com os folhetins distribuídos à larga, cheios de utopias e vazios de experiências históricas e base científica. Silva Mendes expõe o seu pensamento a partir da tese de doutorado que defendeu na Universidade de Coimbra, cujo lead transcrevo:

“Ninguém se deslustra com ser anarquista; são-no algumas das maiores individualidades da atualidade; H. Spencer, Kropotkin, Eliseu Reclus, Tolstoi, Ibsen; isto é, o maior sociólogo, o maior apóstolo da liberdade, o maior geógrafo, o maior cristão, o maior dramaturgo. De maneira que: ou o anarquismo é uma utopia formidável ou uma fatalidade social”.

Ao abrir as duas vertentes, a manifestação aponta para a Utopia e um princípio sócio-político pré-determinado. Ambos teem como objetivo o Anarquismo, cuja definição está em todos os dicionários: a negação de governo.

Foram os anarquistas que primeiro criaram sindicatos e conquistaram a jornada de trabalho, primeiro de dez, e depois de oito horas quando os operários trabalhavam do sol nascer ao anoitecer. Isto só chegou ao Brasil quase um século depois com Getúlio Vargas…

Vou evocar a personalidade misteriosa de militar na Rússia, revolucionário na Boêmia e na Alemanha e franco-maçon na França: o agitador que se dizia “democrata revolucionário socialista”, e acendeu a fogueira anarquista: Miguel Alexandrovitch Bakunin.

Muitas vezes preso e exilado, Bakunin concluiu o curso de oficialato da Academia Militar de Moscou, estudou Geometria, Filosofia e História, falando e lendo em russo, alemão, francês e italiano.

O batismo revolucionário dele foi em Leipzig, capital da Saxônia, no ano 1849. Quando os insurretos tomaram a cidade, se impôs como líder da rebelião. Comentou-se que, diante disso, o czar Nicolau II, que o prendeu e exilou, sabendo do acontecimento, bradou: “Cá na Rússia era um simples tenente; na Alemanha, é um ditador. Bravo moço!”

Há muitas outras figuras de relevo entre os primeiros anarquistas dos séculos XIX e XX; mas Bakunin merece o destaque especial que lhe dou por ser o responsável pelo racha na Associação Internacional dos Trabalhadores, enfrentando Marx.

Do confronto emergiu a grande divisão ideológica do movimento socialista, correntes que defenderam o coletivismo (Marx) e do individualismo (Bakunin). Vê-se que antes da Revolução Russa de 1917, já se antevia o autoritarismo marxista que rebocou a Internacional, enquanto os defensores da liberdade individual absoluta ficaram restritos às federações suíça, italiana e espanhola (com influência sobre Portugal).

O Anarquismo desembarcou no Brasil com os emigrantes europeus, principalmente italianos. Trouxe um caráter cooperativista e sindical e são riquíssimas as suas experiências tanto na atividade anarco-sindicalista, como na auto-gestão cooperativa e em manifestações culturais e no jornalismo.

Os anarquistas são exemplos de um passado de esquerda, cujo deperecimento e, porque não dizer, degeneração, caíram melancolicamente nas autodenominadas “esquerdas políticas” e “sindicalismo de resultado”…

Miranda Sá

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