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ARANHAS

MIRANDA SÁ (E-mail-mirandasa@uol.com.br)

                               “A teia de nossa vida é composta de fios misturados: de bens e de males”. (Shakespeare)

Machado de Assis criou um personagem impressionante ao contar uma história ainda mais espetacular, inspirando-me para uma incursão nos seus domínios. Esta figura, apaixonada pelas leis que regem a natureza, envolveu-se com os naturalistas Darwin e Büchner e resolveu estudar as aranhas.

Esta decisão veio acompanhada de um discurso atacando todos os demais insetos, mosquitos, pulgas e até a exaltada formiga dos provérbios. – “A aranha”, disse, “é diferente. Não nos aflige, nem defrauda; apanha moscas, nossas inimigas, fia, tece, trabalha e morre. Que melhor exemplo de paciência, de ordem, de previsão, de respeito e de humanidade? ”

O pesquisador foi além da curiosidade científica. Não somente ampliou em quantidade e qualidade a sua coleção de aranhas, como descobriu a linguagem fônica delas; e uma, particularmente, trouxe-lhe fácil entendimento; dissertou pelo idioma aracnídeo sobre a forma de governo adotado pelas aranhas.

Descreveu o processo eleitoral que entre elas é muito simples. Fazem um saco e nele coloca-se bolas com os nomes dos candidatos. Tradicionalmente, eram apenas dois, porque a República Arachnida, da Ordem Araneae, só reconhece dois partidos, o Partido Retilíneo e o Partido Curvilíneo.

O PR defende que as aranhas devem fazer as teias com fios retos; e o PC, ao contrário, dispõe que as teias sejam feitas com fios curvos. A disputa entre os dois é acérrima e permanente. Cada um puxa para si a defesa do bem, da justiça, da integridade e do respeito igual para todos; e acusam os outros de incentivo à bajulação, a deslealdade, a fraude e o patrimonialismo…

Este costume foi interrompido pelo surgimento de um terceiro partido, que embora também se apresentasse como geométrico, era menos anguloso, menos exclusivista, sem extremismos, propondo combinar os contrastes pela simultaneidade das linhas como se encontra no mundo físico e moral. O surgimento deste “tercius” terminou indo para a Corte de Justiça, porque no sistema das teias, tudo é judicializado.

O resultado do julgamento não foi divulgado porque não interessou ao contador de história; ele fora advertido que a teia da justiça era submissa ao bipartidarismo; eu então nem  continuei a ler o conto do Machado, “A Sereníssima República”.

Sabia que dali por diante, a narrativa convergiria para coisas do nosso conhecimento, pois a democracia dos araneídeos se parece com a dos Estados Unidos, que Gore Vidal descreve como: “A Democracia nos EUA é o direito de escolher entre o Analgésico “A” e o Analgésico “B”. Mas ambos são aspirinas”.

E tem uma certa semelhança com o nosso decantado Estado de Direito, onde a gente vê que o pragmatismo legislativo e o judiciário seletivo caírem em cima de quem tenta se colocar entre a direita e a esquerda.

Entre nós, chega a ser hilário, que cada um dos tradicionais protagonistas políticos sempre se mostra teoricamente simpático a colar com o centro. Não sei se já notaram que o lulopetismo, corrupto e corruptor, mais sujo do que pau de galinheiro, só fala agora em “centro-esquerda”?

Na tentativa de se limpar, esconde que confunde “centro” com “centrão” e corre para o abraço com os mesmos parceiros corruptos de sempre…

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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