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O lulo-peleguismo e a democracia ‘entre aspas’

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

O sistema democrático nada tem de novo, historicamente podemos recuar ao estudo da antiguidade clássica alguns séculos antes de Cristo. Guardando-se o espaço e o tempo, não há exemplo maior de prática democrática do que a Ágora, nome dado pelos gregos antigos às praças públicas onde ocorriam os comícios.

Nas reuniões da Ágora, os cidadãos discutiam assuntos ligados à administração pública e à vida urbana e votavam e decidiam através do voto direto, com a maioria ditando leis, medidas para obras públicas e temas culturais e militares.

De acordo com Platão, essa instituição faliu pelo crescimento da população nas cidades e registrou que a maioria era geralmente tomada pelas camadas mais ignorantes da cidadania, que votavam em propostas demagógicas e não pelo bem estar social.

Platão propôs no seu livro ‘A República’ um sistema híbrido de liberalismo e socialismo, onde o voto seria privilégio de uma elite formada pelos intelectuais. Felizmente o platonismo ficou apenas na teoria…

Um salto pelo autoritarismo monárquico até a principal manifestação democrática dos nossos tempos, a Revolução Francesa, nos leva à contradição entre a alta burguesia ascendente e defensores de uma maior participação popular no governo. Estava dividida a Assembléia entre a direita e a esquerda.

Ambos revolucionários, os girondinos (direita) e os jacobinos (esquerda) convergiram em muitos pontos, inicialmente instituindo uma monarquia constitucional, a soberania da Nação representada pela Assembléia, a igualdade de todos perante a lei e a divisão dos poderes. Forçado pela pressão democrática, Luís XVI assinou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Assim nasceu a famosa divisa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que encaminhou os códices das sociedades democráticas. Inspirou, sobretudo, a Constituição norte-americana, cuja 1ª Emenda reza: “O Congresso não poderá formular nenhuma lei (…) que limite a liberdade de opinião, ou a liberdade de imprensa”. Ou a 4ª Emenda, que prescreve: “Nenhum Estado poderá formular ou aplicar qualquer lei que limite os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos”.

O Brasil, como de resto em quase toda América Latina, mergulhou num regime militar de exceção, estimulando mobilizações populares em favor da Democracia, ao tempo em que o viés autoritário se desgastava. Assim, numa estratégia de Estado Maior, os militares no poder estabeleceram um processo de abertura ‘lenta, gradual e segura’.

Com a redemocratização, manteve-se o presidencialismo e o seu tradicional desfile de mandatários personalistas, autodenominando-se beneméritos, heróis e pais da Pátria, excedendo-se em experiências monocráticas, de ‘pacotes’ e ‘bolsas’, com planos e projetos de ‘salvação nacional’.

A Constituição de 1988 (perdoe-me doutor Ulysses) nada tem de ‘cidadã’. Na sua imensidade de títulos, capítulos, secções, artigos, atos transitórios, parágrafos e incisos, que pouco ou em quase nada eliminaram os privilégios daqueles que, desde a colônia, se habituaram a mamar nas tetas do Estado.

Justificam os para-corruptos que isso faz parte da nossa cultura política… Uma cultura mesclada do mandonismo dos coronéis e senhores de engenho e com o obreirismo demagógico. Um, mantendo as imunidades da classe dominante; outro, o assistencialismo enganador distribuindo sobras do banquete com o proletariado.

Constatamos que as sementes democráticas plantadas na resistência popular contra a ditadura não medraram e sobre os murchos bulbos libertários fincaram as estacas do domínio, com direitos avessos tipo bolsas-família sem contrapartida, cotas universitárias sem abrangência para os mais pobres, e subcotas raciais sem controle social.

Sobre essa realidade virtual assenta-se Fernando Henrique Cardoso, voltando a raciocinar como sociólogo: chama de ‘autoritarismo democrático’, o que vínhamos denominando democracia ‘entre aspas’. É o uso despótico do poder público pelo lulo-peleguismo, que transforma a presidência da República em comitê eleitoral e trata imprensa como inimiga.

Miranda Sá

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