Categorias: Artigo

TATUAGEM DO POPULISMO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

O frontispício do Templo de Delfos, na Grécia antiga, ostentava um convite: “CONHECE-TE A TI MESMO”. Segundo Platão, foi este aforismo que inspirou Sócrates a desenvolver a sua filosofia.

Como se sabe, não há nada escrito por Sócrates; suas ideias e postulados chegaram até nós graças aos seus discípulos, entre eles Platão, que identificou o sistema socratiano como divisor de águas na Filosofia Antiga, ao adotar o postulado da busca da verdade em todas proposições.

O empenho em encontrar a verdade é o caminho da ascese, o controle do corpo e do espírito, seguindo a lição de Sócrates e o convite para nos conhecer a nós mesmos;  a busca da verdade é a negação da mentira gerada pelo improviso, a tatuagem que identifica a maioria dos políticos brasileiros.

Tempos atrás, conheci um deputado que “decorava” improvisos…. Jogava-os em série de frases feitas, com lembranças passadas e projeções para o futuro do agrado da massa. Ensaiava gestos diante do espelho e como tirar o lenço do bolso e passa-lo na testa; e – por incrível que pareça –, mantinha um parceiro que o aparteava, com uma resposta pronta para o aplauso!

Esses truques não eram exclusividade dele e vigoram até hoje nas assembleias, nos comícios e nos plenários legislativos e judiciários. Os menos preparados e pouco inteligentes macaqueiam as performances dos outros.

Nos governos populistas, o improviso é uma máquina de fabricar dificuldades aparentes para fingir que as resolverão; chegam a difundir males inexistentes para se aproveitar da Ciência ou até mesmo para negá-la.

O cenário internacional das guerras que assistimos, focaliza o repugnante uso do improviso pelo império norte-americano em decadência. Mostra a expansão dos mercados de armas atuando em todos continentes; seja pela provocação da Otan para chegar à fronteira russa, ou pelo terrorismo incendiário do Hamas servindo como argumento de Israel para ocupar a Faixa de Gaza.

Circunscritos às nossas fronteiras, considero emblemática a pergunta formulada outro dia por um tuiteiro, querendo saber se a vida das crianças israelenses e palestinas valem mais do que as crianças ianomâmis. Desenvolvendo-a, indagamos se os incêndios destruidores que as guerras produzem causam mais prejuízos do que está ocorrendo no Amazonas.

Tais preocupações deveriam chamar a atenção como foguetões de estouro e não como fogos de artifício, brilhantes e coloridos para iludir as massas. Se alcançássemos a maioria do eleitorado, afastaríamos da cena política a estupidez que a polarização entre os populistas “de direita” e “de esquerda” imprime desgraçadamente.

Talvez com isto traríamos de volta ao exercício da política pessoas dignas e honestas, mas não de messias e heróis.  Esteve certo Brecht ao dizer que são miseráveis os povos que precisam de heróis. Por não os termos vamos a uma passagem histórica de Georges Clemenceau, jornalista francês responsável pelo L’Aurore, jornal que publicou o “J’accuse” de Émile Zola sobre o “Caso Dreyfus”.

Quem conhece História avalia a grandeza de Clemenceau tornado estadista na França; e, nesta investidura, visitou uma escola onde por gracejo perguntou a uma garota – “quanto são dois e dois?”.

A estudante surpreendeu a professora e o visitante pedindo que ele se explicasse melhor, e acrescentou: – “Se os dois algarismos estiverem um embaixo do outro, são quatro; se postos lado a lado, são vinte e dois”. Com integridade e honradez, Clemenceau curvou-se diante de uma classe do ensino básico: – “Tens razão”, disse, – “Eu deveria ter evitado o improviso e dito, ‘dois mais dois’; nunca esquecerei esta lição”.

Clemenceau não era tatuado com a marca do populismo esnobe dos polarizadores Lula e Bolsonaro.

Marjorie Salu

Compartilhar
Publicado por
Marjorie Salu

Textos Recentes

FALANDO GREGO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) Clássico é clássico; não foi por acaso que Shakespeare criou expressões que…

13 de outubro de 2025 18h05

DAS PAIXÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Civilização significa tudo aquilo que os seres humanos desenvolveram ao longo dos anos para se sobrepor…

8 de outubro de 2025 8h55

DAS PROIBIÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a…

30 de setembro de 2025 18h41

Augusto Frederico Schmidt

As chuvas da primavera Em breve virão as chuvas da Primavera, As chuvas da primavera Vão descer sobre os campos,…

25 de setembro de 2025 20h00

DE MURMÚRIOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo…

24 de setembro de 2025 12h03

Marina Colasanti

Outras palavras Para dizer certas coisas são precisas palavras outras novas palavras nunca ditas antes ou nunca antes postas lado…

21 de setembro de 2025 20h00