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OS PERIGOS DA LÍNGUA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Como parte corpórea dos animais e particularmente da anatomia humana, a língua é órgão móvel ligado à epiglote, ao osso hioide, palato mole, faringe e laringe, que se estende na região próxima aos dentes incisivos inferiores.

Lexicamente dicionarizada, a palavra língua é um substantivo feminino com ampla definição que vai da anatomia animal ao sistema de comunicação oral. Do ponto de vista fisiológico, língua faz parte do aparelho digestório servindo à deglutição e ao paladar. Pelo aspecto humano relaciona-se à fala.

Parece incrível, mas quem melhor definiu o aspecto vocálico da comunicação foi o escritor grego da antiguidade clássica Esopo, a quem se atribui a criação literária da fábula, sendo ele próprio, autor de várias delas tornadas populares mundo afora.

Pelo seu nome, há historiadores que dizem ter ele nascido na Etiópia, e chegou à Grécia vendido como escravo e comprado filósofo Xanto. Da convivência dos dois é que se registrou fabulosamente o conceito da língua, que li na tenra juventude e por sorte recuperei entre os livros de referência que mantenho.

Quase um milagre. Fui surrupiado em quase 500 livros pelo “exército revolucionário de 64” por se tratar de literatura subversiva, incluindo-se filósofos gregos antigos, enciclopedistas, Monteiro Lobato e, como já contei como piada, “Nosso Homem em Havana” uma humorística ficção do romancista inglês Graham Greene, passada em Cuba na pré-revolução, tendo como personagem um vendedor de aspiradores de pó….

Depois disto, ao me mudar de Natal, Rio Grande do Norte, onde vivi 30 anos, de volta ao Rio, dei aos amigos e doei para bibliotecas interioranas cerca de 3.000 livros. Assim, o que me restou foram diretrizes, biografias, informações e saudosismo. Foi deste último que sobrou a fábula viva de Esopo. Conta que:

“Xanto, dono de Esopo, ainda não o célebre fabulista, mas um simples escravo, que fosse ao mercado e de lá trouxesse as melhores especiarias para servir num banquete que ofereceria a amigos.

“No jantar, foram servidos pratos frios com língua preparada de várias maneiras, de triviais a exóticas. Meio decepcionado, Xanto admoestou Esopo com severidade diante dos presentes: – ‘Pedi-lhe para trazer o que havia de melhor e só trouxeste língua?’

“Esopo, com altivez, respondeu: – ‘Não querias, meu patrão, uma iguaria excepcional que o mercado oferece?’; e justificou: – ‘Te obedeci. Nada é melhor que a língua; é o elo da vida social, órgão da verdade e da ciência, discurso que empolga assembleias?’ Os comensais o aplaudiram e Xanto se conformou.

“Para novo convescote desta vez com adversários, Xanto recomendou ao Escravo para adquirir o menos conveniente acepipe, o que tivesse de pior no mercado. De novo, repetidamente, Esopo ofereceu vários pratos de língua, desta vez quentes, com molhos agridoces extravagantes contrastando com pétalas de rosas e folhas de louro.

– “O que é isto?”, perguntou Xanto espantado, – “Vais servir apenas língua?’. – “Senhor, tu me ordenaste a comprar o que houvesse de pior no mercado e eu acredito que só pode ser a língua!’; e explicou: ‘A língua é o que acarreta todas brigas, promove inimizades, arma traições, executa calúnias e perjúrios e falsos testemunhos. Até motiva guerras.’ Xanto calou-se e deu-lhe liberdade, tornando-o um cidadão livre.

Eu gostaria que esta lição fosse expandida em todos seguimentos sociais para alertar sobre os bens e males que a língua traz. Assim, quem sabe, os ministros Dino e Simone poderiam se conter em usá-la, e Bolsonaro e Lula não mais a usassem para mentir.

Também para pedir uma reflexão sobre a polarização entre os extremismos, para denunciar as falsas direita e esquerda do populismo, e defender o Centro Democrático!

Marjorie Salu

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