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NÃO VOU

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Vem. Mas demore a chegar/ Eu te detesto e amo/ Morte, morte, morte que talvez/ Seja o segredo desta vida” (Raul Seixas – Paulo Coelho)

Para conforto dos que um dia corra moderado ou grave risco de vida, ir para um CTI ou UTI (um médico me disse ser a mesma coisa, uma questão de terminologia) saiba que o tratamento intensivo é, no universo da medicina, um planeta à parte, o mais avançado do sistema.

A tecnologia moderna e, particularmente, a qualidade profissional dos seus componentes humanos diversos. Presentes 24 horas por dia, serventes, auxiliares de enfermagem, enfermeiras (os), estagiários, residentes e o corpo médico abrindo um leque amplo, analista de exames, assistente social, cirurgião, clínico, dermatologista, fisioterapeuta, nutricionista.

Como não poderia deixar de ser – pela própria natureza – temos uma CTI com toque brasileiro, sem a rigidez alemã nem a exuberância cinematográfica dos norte-americanos…  Por observação, vi um caos organizado; o caótico fica por conta da multiplicidade dos casos surgidos e a organização no atendimento pronto e completo.

O “meu” CTI cardiológico é uma grande sala com 11 boxes fechados por cortinas e distribuídos frente à frente com um corredor no meio. Fiquei no número 10, e apesar de cortinado havia brechas de onde podia se ver o que se passava lá fora e ouvir ruídos, gemidos, pedidos e conversas.

Da minha cama hospitalar controlada por botões para subir, descer e formar ângulos do tronco para cima e da cintura para baixo brechei um aviso esquisito, no box defronte: Paciente em restrição hídrica de 800 ml/dia” e, ainda em frente, ao lado, escutei repetidos “uis” e “ais”.

Numa noite de incertezas e solidão ouvi, entre as queixas, a voz rouquenha de uma paciente reproduzindo várias vezes a expressão “não vou! ”… Curioso, perguntei a uma enfermeira do que se tratava e tive a informação de que a mulher revelou que tinhas alucinações com a mãe morta, que lhe estendia a mão e a convidava para saírem…

Na minha irreverência, lembrei daquelas fantasminhas do filme “Ghost” que levavam a alma dos mortos… Na verdade, se eu tivesse tal visão, também recusaria ir. Eu sei que é inevitável, e, como canta o epigrafado Raulzito, a Morte está sempre à espera, em qualquer lugar, vestida de cetim, mas peço que demore a chegar pois a vida é bela.

Dito para o Anjo do Abismo, a que se refere a Bíblia, o Azrael dos judeus ou o Tânato dos gregos o “não vou! “, tem uma grande força, menos pelo desespero e certamente mais pela explosão de sinceridade.

Tenho dito e reafirmado mil vezes o “não vou” para muitas coisas, principalmente na política. Escrevi-o recusando-me a aceitar a bandalheira de Fernando Henrique Cardozo e sua desonesta reeleição; disse-o repugnando o poder petista nas mãos de Lula, no início do seu governo e do assalto dos pelegos ao Erário. Disse “não vou“ acompanhar a mídia que defendia o inescrupuloso governo Dilma.

Após a reflexão de 11 dias, confinado ao hospital, faço questão de registrar o meu “não vou” às tentativas de levar as frações conscientes do pensamento brasileiro à derrubada do governo Temer. Não que ele não mereça, astutamente vestindo a toga de apaziguador, mas cedendo sempre à ala podre do seu partido.

As negativas variações dos pronunciamentos de Temer vão da covardia expressa diante da prisão do arqui-corrupto Lula da Silva, às articulações para evitar a derrubada do cangaceiro das Alagoas Renan Calheiros da presidência do Senado.

Não o perdoo no primeiro caso; no segundo, a culpa recai mais sobre o Supremo Tribunal do Fatiamento que vergonhosamente assumiu o conchavo da picaretagem, por isto, também “não vou” cair nas artimanhas dos defensores do “quanto pior, melhor”.

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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