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MORTE (2)

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Morte, morte, morte que talvez seja/ o segredo desta vida…”
(Raul Seixas)

O homo sapiens surgiu de um animal especial, um primata antropomorfo, o único entre os demais que não tinha ciclos periódicos de cio relacionando-se sexualmente quando lhe apetecia. Talvez tenha sido isto que libertou o mecanismo cerebral de memorização para outras resoluções além do sexo.

A humanização do antropóide foi um processo de evolução por mutação que fortaleceu mentalmente as leis da vida, e a mais forte entre elas é a lei da sobrevivência; romper com ela, por exemplo, pelo suicídio, é insanidade mental.

Esta observação compõe a recente teoria das mutações que observa as variações físicas e mentais do homo sapiens produzidas inconscientemente por substituições gradativas e contínuas.

Um sermão do pastor inglês John Donne, conhecido como “Meditação 17” faz a elegia da morte, legando-nos um pensamento que emociona: “Nunca procure saber por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”. Dois séculos depois, o notável escritor norte-americano, Ernest Hemingway, tirou daí o título do seu livro mais famoso, “Por Quem os Sinos Dobram”.

A visão filosófica da morte repercutiu no Brasil, no 9º álbum de canções do cantor e compositor Raul Seixas, nosso epigrafado. No disco, Raul inseriu uma faixa com “Canto Para a Minha Morte”, reverenciando a morte com a linda poesia. “… vou te encontrar vestida de cetim/ Pois em qualquer lugar esperas só por mim/ E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo,/ mas tenho que encontrar…”.

Entretanto, não desejavam morrer os moradores de Mariana e adjacências, afogados pelas ondas da irresponsabilidade governamental e submersos sob o lodo dos rejeitos minerais de uma mineradora culposa.

Não queriam morrer os parisienses e os turistas que se divertiam na noite de terror promovida por assassinos fanáticos, formados satanicamente pela seita fundamentalista do califado islâmico jihadista.

Os refugiados do Oriente Médio e da África subsaariana também não pretendem defrontar-se com o dilema ficar, sofrer e morrer, mas enfrentam a morte tentando chegar à Europa civilizada e rica. O instinto primitivo da sobrevivência é negado aos fugitivos da guerra e do arbítrio dos ditadores do Oriente Médio e da África.

Isto nos leva a compartilhar com a tragédia trazida pelas correntes do Mar Egeu para a praia de Bodrum, na Turquia: o inerte corpo de Aylan, uma criança síria de 3 anos, tornado símbolo do drama promovido pelos bandidos do Estado Islâmico.

Na emigração forçada muitas outras crianças também enfrentaram a fúria dos titãs do Mediterrâneo, somente derrotados pelo herói semideus Perseu.

Uma matéria da agência internacional de notícias France Press atesta friamente que os protagonistas dessa desgraça “pagaram com suas vidas para escapar da guerra”; mas não é em vão, seu infortúnio convulsiona o mundo, principalmente os países europeus. Entre os governantes do Brasil, não sei, pois a presidente Dilma defendeu na ONU o diálogo com o Isis…

Como amante da Paz, evocação da vida, rememorei a foto de crianças vietnamitas correndo, fugindo da sua aldeia bombardeada por Napalm. Uma menina do grupo, Kim Phúc, queimada, foi a imagem que se sobressaiu na famosa e comovente fotografia do repórter Nick Ut.

Foi tão grande a repercussão dessa imagem nos EUA que a voz rouca das ruas nas grandes cidades do país ecoou em protesto contra a injusta guerra mantida pelo Pentágono e contribuiu para o seu fim.

Que o sacrifício dos que suplantam o amor à vida fique na nossa memória como ensinou Rui Barbosa: A morte não extingue, transforma; não aniquila, renova; não divorcia, aproxima.

Miranda Sá

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