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MAKTUB

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“O destino baralha as cartas, e nós jogamos” (Schopenhauer)

A palavra Maktub entrou no idioma do mundo inteiro, serve até para tatuar muitas pessoas que aceitam o fatalismo. É um verbete de origem árabe “مكتوب” significando “estava escrito”; no coloquial, “tinha que acontecer”. Maktub é considerado por filólogos como sinônimo de Destino.

A fórmula fatalista com que o crente do Islam se resigna à vontade de Alá não se limita aos seguidores de Maomé. Na Grécia antiga, Heráclito, um filósofo pré-socrático ensinou que “o caráter do homem é seu destino”, antecedendo o islamismo.

E também o tão badalado Freud, criador da psicanálise, escreveu no seu estudo “Além do princípio do prazer” que “podemos dizer que o objetivo de toda vida é a morte, e, retrospectivamente, que o inanimado existia antes que o vivente…” E estabeleceu a teoria do Complexo de Édipo, bastante conhecido e tema de conversas de bar…

Apreendeu Freud a teoria do Complexo de Édipo no mito que Sófocles levou ao teatro, com a peça “Édipo Rei”. É a história do rei de Tebas, Laio, que ouviu de um oráculo que seria morto pelo próprio filho, que depois se casaria com a sua esposa e a própria mãe.

Supersticioso, Laio abandona o filho pregado pelos pés num tronco de árvore para que ali morresse; mas um caçador que por ali passava levou a criança para casa e deu-lhe o nome de Edipodos (pés-furados). O menino foi adotado mais tarde pelo rei de Corinto.

Já adulto, Édipo ouviu de uma pitonisa que mataria o pai. Pensando tratar-se do pai adotivo, ele foge de Corinto e no caminho foi agredido por um grupo de mercadores; enfrentando-os, mata a todos, inclusive o líder que era o seu pai biológico, Laio. Prosseguindo a viagem e chegando a Tebas, para livrar a cidade de ameaças, decifra o enigma da Esfinge e sob o delírio do povo é investido como rei e se casa com a rainha viúva, Jocasta, sua mãe…

O filósofo Arthur Schopenhauer, cujas aproximações e divergências com as teorias posteriores de Freud já deram em muitos livros, deixou-nos um curioso pensamento que nos leva à reflexão ao dizer que “na hora da morte, todos os poderes misteriosos que determinam o eterno destino do homem se conjugam e entram em ação”.

Assim se materializa na cultura ocidental o Maktub, o “estava escrito”, usado como sinônimo de destino. No Brasil, o escritor Júlio Cesar de Melo e Souza (que foi meu professor), sob o pseudônimo de Malba Tahan, escreveu o livro Maktub em 1935, e mais tarde foi título de publicação de Paulo Coelho de 1994.

Na música, Maktub é mais uma das belas canções do mineiro Marcus Viana, lançada em 2016; e no cinema temos na Netflix, o filme israelense Maktub, classificado como comédia/drama misturando violência e humor; dirigido por Oded Raz, desenvolve o enredo de uma dupla de Steve (Hanan Savyon) e Chuma (Guy Amir), que trabalham como cobradores do agiota Karlassi (Itzik Cohen).

O catolicismo tem na sua hagiologia a curiosa história de um vagabundo que andava pelo mundo dizendo estar em busca do seu destino. Um dia, cansado, parou na margem de um rio; como tinha uma força descomunal transportava pessoas de uma margem à outra ganhando o de comer.

O destino levou este condutor a ouvir a voz de uma criança pedindo-lhe para atravessar as águas caudalosas; como era seu trabalho, pôs o menino nos ombros e na travessia foi sentindo o aumento quase insuportável do peso que levava; quando alcançou com dificuldade o outro lado do rio, ouviu da criança: – “Transportaste sobre os teus ombros o mundo e Aquele que o criou”.

Estava escrito:  o menino era Jesus Cristo e o guia a partir de então adotou o nome de Cristóvão, “carregador de Cristo”. Hoje é adorado como São Cristóvão, padroeiro dos motoristas e viajantes.

Na política, tiveram os brasileiros o triste destino em ver um psicopata mitômano ser eleito presidente da República com promessas mentirosas de combate à corrupção e, no poder, mostrou a verdadeira face de político medíocre, que alguém descreveu como “uma figura patética e inexpressiva do baixo clero no Congresso Nacional”.

O capitão Bolsonaro traiu as promessas eleitorais e se aliou aos corruptos do Centrão abrindo o seu governo à corrupção; e, sem se acanhar, diz que “não sabe o que se passa nos ministérios” e, pior ainda, reconhece que existem pessoas “com interesse” no Ministério da Saúde….

Fatalistas que observam a nossa cena política dizem que “estava escrito”: quem praticou as “rachadinhas” impunemente, arrisca-se a tentar uma “rachadona”…

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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