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IMPROVISOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Ter capacidade de improviso é fundamental, improvisar como regra é imprudência” (Reis Júnior)

Morei alguns anos em Campina Grande, e foi lá que ouvi uma história sobre um querido amigo, Raymundo Asfora, advogado, político e poeta admirável. Está anotada num dos meus caderninhos (tenho mais de cem). Reencontrei-a mexendo nos meus guardados com o tempo que me sobra no isolamento social….

Conta que Asfora estava sentado à mesa de um bar com amigos, quando uma moça se achegou esbaforida, lhe implorando para ir defender seu irmão que estava sendo julgado por causa de uma briga com a família da namorada.

Saíram correndo, pois, os julgamentos do dia estavam iniciados, o que não deu tempo para Asfora estudar o processo; ele passou rapidamente a vista pelos autos e iniciou a defesa – como sempre brilhante -, argumentando contrariamente ao seu cliente. Quase concluía sua intervenção, quando a irmã do réu se aproximou e lhe advertiu que estava acusando em vez de defender….  Sem se perturbar, Raymundo Asfora correu para o improviso:

– “É assim que falará o promotor acusando o meu constituinte, apresentando deduções fantasiosas para condenar este pobre moço, vítima e não culpado; e eu vou rebatê-lo mergulhando nas águas cristalinas do Direito! ”. E fez uma defesa severa que absolveu o rapaz e entrou nos anais da Justiça Paraibana….

O improviso é muitas vezes necessário, e todos estamos sujeitos a improvisar, mas também somos obrigados a nos responsabilizar por possíveis equívocos, o que não é o caso dos advogados….

Acontece também (e muito) no Teatro. Do palco, conta-se que Sir Lawrence Olivier, no início da fulgurante carreira, foi perseguido por um velho ator que morria de inveja dele. Quando Lawrence estreou, foi coincidentemente como coadjuvante do personagem principal, protagonizado pelo tal invejoso; e este, em cena, passou-lhe um papel em branco e ordenou-lhe que lesse um édito do Rei.

Lawrence não se apoquentou; curvando-se, devolveu-lhe a lauda e disse em voz alta: -“Meu amado milorde, o Rei não sabe que sou analfabeto, como Vossa Excelência sabe, portanto, peço-lhe humildemente que leia por mim…”

Como na vida todos somos atores, enfrentamos situações imprevisíveis, sem estarmos preparados para enfrenta-la, sem um ponto em frente ao palco da existência que nos possa indicar o que deveremos fazer. Então somos obrigados a improvisar.

O verbete Improviso, dicionarizado, é um substantivo masculino com significado para algo que é dito de chofre, sem nenhuma preparação ou ensaio prévio. Leva ao teatro e à música para situações que exigem uma rápida modificação do texto ou na composição.

Improviso é também adjetivo, aquilo que se realizou de maneira repentina e imprevista; a etimologia da palavra é latina “improvisu”, do “in promptu”, prontidão, pronto para agir.

Nem sempre podemos festejar e aplaudir improvisos. Agora mesmo, enfrentando a diabólica pandemia do novo coronavírus, aprendemos, por exemplo, que governar não é improvisar como tem feito seguidamente o Governo Bolsonaro, e o Presidente, de moto próprio, adotando o “achismo” para receitar remédios ineficazes para a covid-19, como a cloroquina indicada para a malária.

O pior é que Bolsonaro é seguido submissamente pelo ministro da Saúde, distribuidor de “kits-covid” que nada têm a ver com a doença, e o ministro da Ciência, imaginem, da “Ciência! ”, indicando um vermífugo contra o novo coronavírus!

Assim, assistimos a todo momento conceitos negativistas assumidos por Bolsonaro sobre as mortes e contaminações, mostrando o seu despreparo, sua inconsciência, frieza e desumanidade, no trato das coisas ligadas à pandemia.

As famílias enlutadas, a agonia nas UTIs, a falta de leitos e de oxigênio, deveriam servir de alerta para que o Presidente pisasse no freio da sua estupidez para que interrompa seus improvisos, os disses-não-disses e a negação à Ciência, que resultam em lamento e revolta das vítimas e incentivam as mentiras revoltantes dos seus defensores…

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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