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ILUSÃO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Não existe coincidência, apenas a ilusão de uma coincidência” (V de Vingança)

A ilusão nos engana, mas não é somente um problema nosso. É geral. O jornalista e escritor ítalo-argentino Pittigrilli, a quem muito admiro, conta um fato (não sei se é verdadeiro ou uma anedota que saiu da sua imaginação prodigiosa). Escreveu numa de suas crônicas:

“No estúdio cinematográfico da UFA, em Berlim, fazia-se um filme de guerra e o exército protagonista apresentava inúmeros figurantes; muitos soldados, alguns sargentos e oficiais; e um personificava o general-comandante. Nos intervalos, à hora do almoço servido num grande galpão, os soldados se agrupavam numa mesa enorme, os sargentos e oficiais, cada um dos grupos ocupavam mesas separadas e o general se isolava, afastado dos demais”.

Para Pittigrilli, sem que houvesse qualquer orientação para isto, a imaginação dos atores os levava à ilusão da realidade; e esta história nos leva a pensar como Balzac, ao dizer que “a ilusão é uma fé desmedida”, o que somo com outro autor que esqueci a referência dizendo que a ilusão é um dos demônios que mais atentam às pessoas.

Sem um conhecimento aprofundado das doenças da mente e o seu tratamento feito por psicólogos e psiquiatras, penso, pela definição, que a Esquizofrenia é irmã gêmea da Ilusão. Como é do conhecimento geral, esquizofrenia é um desdobramento da personalidade, como diz a sua raiz grega, “Skizo”, separo, e “fren”, pensamento.

Assim, vemos no nosso entorno múltiplos exemplos de comportamentos fragmentados, parecendo uma característica dos políticos e dos seus seguidores, sejam defensores de qualquer ideologia, alguma corrente filosófica, que sejam filiados a certo partido ou adeptos de uma denominação religiosa.

Cada qual com a sua ilusão, que como verbete dicionarizado, é um substantivo feminino de etimologia latina (“illusio.onis”), engano; seja engano dos sentidos ou pensamento. Tem uma rica e variada sinonímia que vai da aparência, disfarce à alucinação e delírio

Gosto muito da definição de ilusão como uma esperança irrealizável…. Sugere que usemos o presente do conjuntivo do verbo abrir: “abramos” as cortinas da pesquisa e do raciocínio científico para assistir ao espetáculo da realidade e ver o drama que o Brasil representa tendo na presidência da República um obsessivo compulsivo somente preocupado em manter o poder a qualquer custo.

E não foi por acaso que o capitão Bolsonaro tentou dar um golpe de Estado no dia 7 de setembro, aproveitando-se da data em que o País comemora a Independência para trair a República. Junto com seus seguidores fanáticos, minoritários, mas ativos e com dinheiro bastante, passou dois meses mobilizando uma manifestação de apoio aos seus tenebrosos planos para sufocar a Democracia.

Numa mais do que perfeita encenação tirada da cartilha de herr Goebbles, voou de helicóptero sobre a multidão, teve desfile de caminhões, dísticos, bandeiras e faixas com ataques ao Congresso e ao STF.  Assistimos pela televisão esta manifestação do “Eu autorizo” com o coro infernal da massa, que provocou um discurso virulento contra o Judiciário, cometendo um crime de responsabilidade.

Este ato criminoso felizmente não passou de engano, engodo, ludibrio e da mentira contumaz, por cometer o erro de haver subestimado a reação do mundo político e jurídico, e não ter ouvido o alerta de que os quarteis se mantêm patrioticamente legalistas contra um golpe.

A política, como a ciência, não pode se basear na ilusão, como a que foi construída teimosamente pelos filhos deslumbrados e os generais bajuladores da guarda pretoriana de pijama.

Dessa maneira, a pretensão golpista não passou de uma ilusão do psicopata, com o lado cômico do infantilismo fanático que tem como chupeta o vício de se iludir, mostrando que a ilusão coincidente é o alimento dos que desejam tornar um pesadelo o sonho de liberdade do povo brasileiro.

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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