Categorias: Artigo

IGNORÂNCIA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“O que nos causa problemas não é o que não sabemos, mas aquilo que temos a certeza que é verdade” (Mark Twain)

É assustadora a obrigação de tomar conhecimento da Lei, conforme ordena a Introdução ao Código Civil, que traz no seu artigo 3º: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”.

Isto atinge em cheio, calculando por baixo e com muito otimismo, 80% da população brasileira, onde, sem excluir bacharéis em direito e até mesmo doutores diplomados na variedade dos cursos universitários, maioria é formada por pessoas que não sabem sequer escovar os dentes, como disse o general João Batista Figueiredo.

Trata-se, porém, de uma presunção legal absoluta que atropela a ignorância inocente e vulgar. Fico às vezes pensando como é torturante sujeitar milhões de pessoas honestas a conhecer e entender o incomensurável universo das leis federais, estaduais e municipais…

Imagino que a própria Constituição de 88, tão citada, um catatau enciclopédico vindo de egos vaidosos dos constituintes mal saídos de um regime de exceção, dissidentes e ex-colaboradores querendo parecer mais democratas e mais humanistas do que os outros.

Essa Constituição é tão abrangente ao enumerar direitos e tão lenitiva com os criminosos que nos leva a perguntar, como fez o grande Dostoiewski; “Porque, seus ignorantes, haveis de praticar fraudes fora da Lei? Há dentro dela muito espaço para fazê-las…”

Os políticos e magistrados corruptos sabem disto muito bem. Os ignorantes que restam continuam sendo presos por uma barra de chocolate, enquanto se trama nos porões dos três poderes a impunidade para o chefe da Orcrim política, Lula da Silva, condenado e preso por corrupção e lavagem de dinheiro.

Assistimos o STF encenar a sua própria interpretação constitucional do artigo que reza “todos são iguais perante a Lei”, admitindo, pelo favoritismo, que os seus protegidos são “mais iguais do que os outros”.

Na tribuna diante dos divinos ministros, advogados são milionariamente pagos por saberem explorar a diferença entre o desconhecimento da lei e o erro de interpretação do texto. E com a mesma sutileza capciosa dos julgadores livram seus clientes de colarinho branco.

Do lado de cá, passando pelo túnel que evita contato dos deuses togados com o povo, vive a Ignorância, um sonoro substantivo feminino de origem latina, (ignorantĭa,ae) interpretado como a condição do indivíduo sem instrução, que não tem cultura, experiência ou prática em alguma coisa.

A ignorância é classificada de três maneiras: ignorância factual (ausência de conhecimento de algum fato), ignorância objetual (não-familiaridade com algum objeto) e ignorância técnica (ausência de conhecimento de como fazer alguma coisa).

A primeira, em relação ao arcabouço jurídico, é do povão; a segunda, das classes médias letradas, fugindo da realidade; e a terceira, a secular e repetida prática dos que ocupam eventualmente o poder.

Pela incultura e desinformação das massas, o teólogo e orador sacro Martin Luther King construiu um belo pensamento: “Nada no mundo é mais perigoso que a ignorância sincera e a estupidez consciente. ”

E é assim que o Brasil se divide, não pela Geografia Física, mas entre a ignorância e a estupidez. Numa banda, ficamos enfrentando a desinformação dos cúmplices da corrupção que aliena o povo; na outra banda, sobrevoam os corvos grasnando um latinorum bacharelesco para favorecer seus bandidos de estimação.

Marjorie Salu

Compartilhar
Publicado por
Marjorie Salu

Textos Recentes

FALANDO GREGO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) Clássico é clássico; não foi por acaso que Shakespeare criou expressões que…

13 de outubro de 2025 18h05

DAS PAIXÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Civilização significa tudo aquilo que os seres humanos desenvolveram ao longo dos anos para se sobrepor…

8 de outubro de 2025 8h55

DAS PROIBIÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a…

30 de setembro de 2025 18h41

Augusto Frederico Schmidt

As chuvas da primavera Em breve virão as chuvas da Primavera, As chuvas da primavera Vão descer sobre os campos,…

25 de setembro de 2025 20h00

DE MURMÚRIOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo…

24 de setembro de 2025 12h03

Marina Colasanti

Outras palavras Para dizer certas coisas são precisas palavras outras novas palavras nunca ditas antes ou nunca antes postas lado…

21 de setembro de 2025 20h00