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ENTREVISTA

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“É melhor não ser educado do que ser educado pelos seus governantes'” Thomas Hodgskin

O ENEM passou como um tsunâmi na vida brasileira. Mesmo quem nada tinha a ver com o provão que dá acesso à universidade se envolveu discutindo as questões apresentadas.

Não fui exceção à regra. Ainda tinha em mente a ansiedade que nós, mais velhos, tivemos quando nossos filhos se submetiam aos vestibulares, naquela tentativa de abrir as portas do futuro. E também a angústia dos pais acompanhando o anúncio dos aprovados…

Passei a noite recordando minha própria vida de estudante e pensando na Educação como uma necessidade básica para o desenvolvimento de um País; observei os erros e acertos que distingui durante a minha vida, e também as consequências estúpidas dos regimes totalitários tentando “estatizar” crianças e adolescentes.

Antes de me recolher para dormir, este último item permaneceu em minha cabeça e me fez exaltar o epigrafado, Thomas Hodgskin, o libertário inglês que nos legou a aversão pelas ditaduras.

Já estava no segundo sono, como se diz, quando a campainha soou. O porteiro sempre avisa quando temos visitas, mas desta vez a chamada pela cigarra foi direta. Pelo olho mágico vi um senhor elegantemente vestido, de boa aparência, cuja fisionomia não me pareceu estranha.

Abri a porta e o visitante inesperado perguntou se poderia entrar, apresentando-se: -“Sou Ângelo Luzidio, um revolucionário, e gostaria que me entrevistasse…” Fiquei curioso: – “Revolucionário? Em plena democracia?” Ângelo pigarreou e disse: – “Fui eu quem liderou a revolta contra Deus; naquele tempo me chamavam Lúcifer…”

Espantado, perguntei-lhe o que fazia no Brasil. – “Ora, você não lembra que a presidente Dilma invocou o diabo, pedindo ajuda para ganhar as eleições?”

Embora um jornalista experiente, fiquei meio sem jeito, mas Ângelo me encorajou descrevendo os pensamentos que eu desenvolvera sobre a Educação. E insistiu que eu lhe perguntasse qualquer coisa a respeito.

Fui direto ao assunto: – “Porque o senhor se interessa pela Educação?” Ele atendeu prontamente: – “Quem me chamou atenção foi o monge agostiniano Martinho Lutero opondo-se ao monopólio do Vaticano na condução do ensino…

– “Foi então Lutero o responsável pela educação sem coerção?” perguntei. -“Não! Ele começou, mas se limitou à Alemanha; foi a Renascença que derrotou o obscurantismo teocrático da Idade Média…”

Como respeito a História, indaguei: – “Sei o que foi a Renascença, mas quem atuou nesse sentido?” Ângelo não se fez de rogado: – “Citarei três, Erasmo, Montaigne e Rabelais foram os baluartes da crítica à escolástica e defenderam a instrução universalizada…”

Inquiri: – “Escola para todos?” – “Sim!”, respondeu, “e foi um avanço em direção à escola pública, mais tarde instituída pós-revolução industrial!” Fez um curto silêncio e perguntou se eu tinha alguma bebida em casa. Disse que tinha uma cachaça paraibana, excelente, vinda de Guarabira. Assentiu com a cabeça e servi doses para os dois.

Depois de tomar um trago, o entrevistado – quase me ignorando – divagou: “Após a revolução industrial ocorreu a democratização do ensino, até por necessidade do desenvolvimento econômico”. Tomou outra lapada e me mostrou o copo pedindo mais e continuou: – “Interrompendo o processo, apareceram os regimes totalitários do século passado… O stalinismo e os fascismos italiano e alemão concentraram o poder nas mãos de um “chefe” que subtraiu a liberdade da instrução para doutrinar as crianças e os adolescentes”.

Prosseguiu: – “O interessante é o que os aprendizes de ditador de hoje, pelo mundo afora, tentam imitá-los. Surdos aos protestos das pessoas esclarecidas querem subjugar aos seus governos a orientação pedagógica e didática das escolas”.

Confesso que estava gostando daquela alocução satânica quando ele, olhando para o relógio, disse que o dia estava raiando e tinha que ir, dirigindo-se à porta..

Com a mão na maçaneta, arrisquei uma última pergunta: – “E aqui no Brasil?”. Ângelo deu uma gargalhada diabólica: – “Você acha que atendi ao apelo de Dilma a troco de quê?” E se foi…

Miranda Sá

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