Categorias: Artigo

DOS SERMÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br),

“Dicit ei iesus ego sum Via, Veritas et Vita” (Disse Jesus: ‘eu sou o caminho, a verdade e a vida’). “Assistindo o desenrolar de uma aplicação capenga da Suprema Corte, vejo que o TSE tem realmente o poder de polícia; que as investigações sobre ações criminosas devem encontrar um meio de comprová-las; só não concordo como encobrir o crime de usar a “criatividade” para justificar condenações”. Assim pregaria o padre António Vieira, se vivo fosse.

Sou assíduo leitor dos sermões de Vieira. As suas prédicas enriquecem o nosso conhecimento do idioma castiço e possuem uma impressionante descrição da realidade vivida e projetada por ele para o futuro, como encontramos na sua “História do Futuro”.

Entre as corajosas homilias contra a injustiça, vemo-lo caminhar com o bastão da verdade, defendendo a vida dos indígenas brasileiros escravizados por conquistadores, dos judeus perseguidos pela Inquisição e dos injustiçados em geral por manterem costumes, ideias e anseios de liberdade.

Na Missa, Vieira executava com habilidade e beleza a Liturgia da Palavra, discursando para os crentes, tanto no Brasil como em Portugal, com temas sobre a meditação herdados do Velho Testamento judaico e das passagens evangélicas.

O grande Pregador faz falta nos dias tempestuosos de hoje que ameaçam o caminho, a verdade e a vida. A sua doutrina, sacramentada do púlpito, nos ajudaria a combater os horrores da malversação do dinheiro público, da ânsia populista por um regime totalitário, e da irrefutável injustiça praticada pela magistratura.

E a pior expressão do mal está na compra de consciências pelo poder constituído, corrompendo a vocação política de muitos e avalizando a impunidade de criminosos em troca de “favores”. Isto nos leva a refletir com o Marquês de Lavradio: “Aqui, não há nada que não se venda, de cousas a almas, de gente a favores”.

É por este prisma que contemplamos a realidade nacional, que entreabre uma terrível e abjeta conjuntura que associa os três poderes da República. Uma desventura que se abate sobre os autênticos patriotas, defensores da Democracia e da Liberdade.

A prosa sermonista é diferente do discurso político. O sermão tem um objetivo moral e a manifestação política pode ser, dependendo do seu autor, somente promessas de honradez e de justiça na demagogia fabulosa que oculta inclinações corruptas e corruptoras.

Tais contradições e dubiedades não são difíceis de encontrar. Enquanto falta um religioso como foi dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda durante a ditadura militar, multiplicam-se os picaretas da política que legislam em causa própria como fizeram com a anistia aos partidos políticos contraventores.

Falta-nos um Sermão da Sexagésima, que esclareceria os analfabetos políticos e, quem sabe, despertaria o que pode haver de bom nos fanáticos cultuadores de personalidades políticas…

O padre António Vieira, ressurreto, utilizaria a prosa sacra para enfrentar o dragão da maldade que se instalou no poder da nossa República. Das rasteiras ameaças ao Estado Democrático de Direito ao garantismo jurídico hipócrita que favorece a corrupção.

Nesta circunstância, apelamos para o Evangellii Gaudium, livro do papa Francisco acerca do sermão. Diz ele que a homilia não deve ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos midiáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração.

Assim, mais do que lições de exaltação do Bem e da Verdade, os sermões devem voltar ao caminho da vida, combatendo a transformação do Governo numa escola do crime e negando à Justiça a abjetas injustiças das sentenças monocráticas trazendo, por baixo da toga, uma camiseta partidária.

Marjorie Salu

Compartilhar
Publicado por
Marjorie Salu

Textos Recentes

FALANDO GREGO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) Clássico é clássico; não foi por acaso que Shakespeare criou expressões que…

13 de outubro de 2025 18h05

DAS PAIXÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Civilização significa tudo aquilo que os seres humanos desenvolveram ao longo dos anos para se sobrepor…

8 de outubro de 2025 8h55

DAS PROIBIÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a…

30 de setembro de 2025 18h41

Augusto Frederico Schmidt

As chuvas da primavera Em breve virão as chuvas da Primavera, As chuvas da primavera Vão descer sobre os campos,…

25 de setembro de 2025 20h00

DE MURMÚRIOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo…

24 de setembro de 2025 12h03

Marina Colasanti

Outras palavras Para dizer certas coisas são precisas palavras outras novas palavras nunca ditas antes ou nunca antes postas lado…

21 de setembro de 2025 20h00