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BOI DA PECUÁRIA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Oh! bendito o que semeia/ Livros, livros, à mancheia/ E manda o povo pensar…” (Castro Alves)

A História, como as cartas do baralho cigano, não mente jamais…  É por isto que meto a cara nas teses, arquivos e pesquisas dos historiadores e estudantes, para confirmar fatos que se incorporaram à minha mente e, por não confiar na memória, vou conferir.

Uma das coisas interessantes que recentemente me ocorreu começou com a Revolução de 30 e a importância do seu comandante, Getúlio Vargas, ter representado o sonho dos movimentos tenentistas de 1922 e 1924.

No plano econômico, que me interessa para o tema que tento abordar, o Brasil se voltou para a “Recuperação da Crise de 29”, na agenda do governo de Getúlio. E a curiosidade levou-me aos efeitos advindos, como a formação do mercado nacional e na mudança do padrão de acumulação de capital no país.

A época foi marcada pela exigência de uma política de industrialização, mas chama a atenção o interesse pela agricultura, a agroindústria e a pecuária. A importância do café, principal produto de exportação, deixou de ser um problema “paulista” e passava a ser um “problema nacional”, gerando uma nova perspectiva econômica.

No intuito de criar outros estímulos para o campo, Getúlio criou a Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil – CREAI -, dando início, na prática, ao crédito público de médio e longo prazo para a produção industrial e rural. O Decreto nº 21.537 dos primeiros anos de governo, estimulou o financiamento da criação de gado. No Nordeste, ficou conhecido como “A Pecuária”.

O líder político paraibano, que foi governador, deputado e senador, Argemiro de Figueiredo, me contou que o empréstimo através do Banco do Brasil era concedido após os fiscais do banco verificarem a existência de um rebanho de 60 cabeças de gado na propriedade.

Argemiro revelou-me uma piada da época que correu entre os pecuaristas. Havia um rebanho que ia de fazenda em fazenda antecedendo a visita da fiscalização; os fiscais faziam vista grossa, mas um dia um deles, novo na atividade e íntegro, reconheceu um animal que já vira anteriormente em duas fazendas… – “Olhem o Boi Lucas novamente! ” – E notificou a fraude.

Esta malandragem dos sertanejos sabidos campeou (literalmente) nos Anos de Getúlio em todo território nacional, e se estendeu por muito tempo. Agora, por uma ocorrência de que tomei conhecimento a pouco, está de volta.

Um tuiteiro revelou que uma jovem amiga dele desmarcou um encontro no fim de semana por que iria trabalhar na mudança de uma biblioteca, feita eventualmente para a faculdade onde trabalha.

Mudar uma biblioteca? Perguntou o interlocutor. Ela então explicou que a medida se devia ao vazamento do MEC de que haveria na próxima semana uma inspeção nas instalações da escola e, como lá não há biblioteca, levam livros de uma para outra para enganar os fiscais.

Nos dias de hoje a coleção de livros e documentos se iguala à manada de gado vacum dos tempos longínquos da Pecuária… Só espero que um fiscal honesto encontre um livro e reconheça a capa, e obrigue as faculdades a cumprir a lei que determina a manutenção de uma biblioteca.

O professor Mário Paternostro lamenta, pessimista, que “chegará o dia aqui em nosso país que quem for pego lendo um livro, será preso por tentar evoluir seu intelecto” e conclama para a luta de preservação do livro, lembrando o poeta Castro Alves, nosso epigrafado: ““Livro caindo n’alma/ É germe — que faz a palma, / É chuva — que faz o mar”

Marjorie Salu

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