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Artigo publicado no JH1ªEdição

Vocabulário rasgado e bandeiras esquecidas

MIRANDA SÁ, jornalista (mirandasa@uol.com.br)

Vou dar crédito ao jornalista Josias de Souza por uma reflexão primorosa: “As decisões políticas resultam de uma cruza do instante com o circunstante. Submetidos ao corredor frio da posteridade, seletiva senhora, os fatos são julgados no tribunal da estante”. É como penso e que reforço com a frase de placa: “A História julgará”.

É evidente que vejo a história de hoje, a ameaça do círculo governante sobre a Democracia e a República. E é contraditório que intimidam a Nação, prenunciando este malefício, aqueles que conquistaram o poder pelo voto, com um programa que entusiasmou o eleitorado.

Mas o seu vocabulário foi rasgado e as bandeiras esquecidas.  A linguagem transmudou-se, lembrando o Ministério da Verdade – Miniver, que George Orwell projetou no seu genial “1984”. No livro, o “Miniver” controlava a novilíngua, estabelecendo o emprego de palavras peculiares em proveito os interesses do governo.

“Guerra é paz”, “Liberdade é escravidão”, “Ignorância é força” eram os lemas do partido único da Oceania, uma ditadura de ficção, mas tão totalitária e policialesca do que qualquer das ditaduras que atormentaram o século 20.

Os atuais aprendizes de ditador – e há muitos entre nós –  não precisam de teoria para se auto-justificarem do projeto que irá oprimir a sociedade. E a Polícia do Pensamento já atua entre nós, começando com insinuações, que passarão às ameaças, depois a desaparecimentos noturnos, prisões sem julgamento e a eliminação dos inconformados.

Também se materializa uma terminologia oficial que desvia as críticas e distorce as denúncias em proveito do denunciado. Nela, as ilegalidades são “equívocos”, o ilícito é “erro”, os fraudadores são “aloprados” e a sonegação fiscal é “esquecimento”. O patrimonialismo justifica-se como uma prática comum, tradicional.

Outras inúmeras distorções da verdade estabelecem a Central Única da Mentira, arquitetada e mobilizada para combater o grande inimigo: a elite conservadora e direitista. As bandeiras foram esquecidas, mas os antigos slogans são reciclados para satisfação dos agentes provocadores.

A Central Única da Mentira – que atua no Senado sob o nome de “Tropa de Choque” – é dirigido por oportunistas e arrivistas, dispondo de grupos de pressão mercenários e entidades cooptadas com verbas públicas. Eles mesmos, parlamentares, fazem o jogo perigoso do confronto físico, como fez Collor com “o olhar açulado, quase hidrófobo, injetado de cólera” atacando Pedro Simon.

Seja lá como for, resistir é preciso. Há na pauta dos jornalistas independentes e honestos, temas que não podem ser negados ao povo, no mínimo para satisfazer os seus leitores. O abandono da Saúde Pública, com muito discurso e pouca competência; a insegurança pública que favorece a ascensão do crime organizado; a CPI da Petrobras para esclarecer denúncias sérias feitas contra a atual diretoria; e, finalmente, o prenúncio da volta da CPMF, mais um imposto contra o povo.

Um estudioso da comunicação social, Bucci, defende a liberdade como o primeiro entre todos os deveres do jornalismo, mais importante até do que a eqüidistância de partidos e ideologias. Dele, tiramos uma frase excelente, uma tapa na cara dos inimigos da democracia: “Para o jornalista, exercer a liberdade é um dever porque, para o cidadão, ela é um direito”.

Miranda Sá

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