Categorias: Artigo

A CAVERNA

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“Se o arrancarmos da caverna e o arrastarmos pela senda áspera e fragosa até à claridade do Sol, que suplício o seu por ser assim arrastado! ” (Platão)

O verbete Caverna, dicionarizado, é um substantivo feminino de origem latina cavus,i, “vazio, com material retirado” que deu em caverna,ae, cova. É uma cavidade no interior do solo rochoso; antro, furna, gruta, toca. Figuradamente, a parte mais interna ou íntima, recôndita, pouco acessível; lugar obscuro e fechado.

Em Medicina, cavidade dos pulmões devido à tuberculose e, na terminologia naval, peças curvas que partem da quilha para dar forma ao casco da embarcação.

Herdamos o mito da caverna na metáfora criada pelo filósofo grego Platão para explicar a condição de ignorância dos seres humanos e sua necessidade de sair para a luz do “mundo real”.

Sair da caverna para Platão não é coisa fácil. Trata-se de mudar a visão das coisas e das convicções arraigadas; implica em sofrer a dor da perda, compensada pelo impulso de se libertar…

As cavernas foram a habitação mais comum no período de evolução do neandertal para o homo sapiens, e chegaram à civilização trazendo um misterioso fascínio dos seres humanos vendo-as em várias religiões como cenário do nascimento de deuses.

Registra-se assim, antes, muito antes de Platão, que as grandes religiões antigas santificaram as cavernas adorando nelas seus deuses Atis, Baal, Isis e Osiris; em Creta havia um túmulo de Zeus “nascido numa gruta, fornecedor da comida da comunhão, do pão e do vinho, deus da morte e da ressurreição”.

Na conquista europeia das Américas encontrou-se os astecas, maias e incas, do outro lado do Atlântico, cultuando também as cavernas como santuários dos deuses.

Tivemos filmada “A caverna do Dragão”, uma série de animação do século passado produzida em 27 episódios. Como o final foi meio conturbado, o desenhista

Reinaldo Rocha produziu o 28º episódio em quadrinhos, intitulada “Réquiem”.

Foi uma proposta de mudança para concluir o enredo, coisa interessante porque, como disse alguém, “triste não é mudar de ideia, mas sim não ter ideias para mudar”.

Se ninguém não sai da caverna jamais verá a luz…. Ver a luz à primeira vista, porém, ofusca, mas fascina ao encontrar a verdade e deixar na escuridão as sombras da ignorância.

É difícil, porém, libertar certas pessoas, escravas das paixões. Estas, como disse Sócrates, não reconhecem que foi pelas trevas que teve os olhos magnetizados e desejam voltar para a caverna…. Isto exige uma reflexão sobre como quebrar as algemas dessas vítimas da obscuridade, ainda prisioneiros do complexo da caverna.

A “caverna” também entra no dia-a-dia da politicagem no Brasil: Há quem lembre a gruta dos 40 ladrões e, por ignorância, comparam o super meliante Lula da Silva com Ali-Babá, porque não leram o conto das “Mil e uma Noites”. Na verdade, Ali-Babá é o povo brasileiro, o Pelegão é o chefe da quadrilha…

A história conta que: “Um trabalhador amedrontado, assistiu escondido uma reunião de 40 ladrões, ouviu o chefe deles usar as palavras mágicas “Abre-te Sésamo”, e uma cova se abriu. Quando o bando saiu, Ali foi até lá e no seu interior vê um tesouro; recolhe uma parte razoável e vai para casa.

“Com o que trouxe, provocou a inveja do irmão e ensinou-lhe como fazer. Indo à caverna, o irmão com mesquinhez, quis pegar tudo o que viu terminando sendo surpreendido, preso e torturado. Dedurou o irmão e, embora tenha delatado, foi morto pelos bandidos.

“A quadrilha saiu em busca de Ali escondidos em barris para se vingar; ele, porém preparou uma armadilha e abortou o ataque jogando óleo fervente nos barris onde estavam os ladrões, matando-os cozidos…”

Lembrando o conto, ouço uma voz cavernosa ecoando: – “Antigamente o óleo fervente era uma espécie de Lava-Jato…”.

Marjorie Salu

Compartilhar
Publicado por
Marjorie Salu

Textos Recentes

FALANDO GREGO

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.om.br) Clássico é clássico; não foi por acaso que Shakespeare criou expressões que…

13 de outubro de 2025 18h05

DAS PAIXÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Civilização significa tudo aquilo que os seres humanos desenvolveram ao longo dos anos para se sobrepor…

8 de outubro de 2025 8h55

DAS PROIBIÇÕES

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Na ditadura militar que durou de 1964 a 1979 censurando a expressão do pensamento, cantou-se a…

30 de setembro de 2025 18h41

Augusto Frederico Schmidt

As chuvas da primavera Em breve virão as chuvas da Primavera, As chuvas da primavera Vão descer sobre os campos,…

25 de setembro de 2025 20h00

DE MURMÚRIOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br) Só ouvi a palavra “Murmúrios” em letras de boleros e tangos. É visceral; o seu intimismo…

24 de setembro de 2025 12h03

Marina Colasanti

Outras palavras Para dizer certas coisas são precisas palavras outras novas palavras nunca ditas antes ou nunca antes postas lado…

21 de setembro de 2025 20h00