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40 ANOS PASSADOS

MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

Dizem que o número quarenta dá sorte, mas não encontrei em nenhum estudo de numerologia tal afirmação; apenas me lembro que diziam na minha mocidade que “a vida começa aos 40” ….

Para mim, porém, a vida começou aos nove anos quando despertei para a realidade que nos cercava no ano do Senhor de 1942. Meu pai assistia toda noite o jornal da BBC em português e nós, mamãe, minha irmã e eu o acompanhávamos, porque torcíamos também contra o nazismo.

Numa noite de fevereiro ouvimos a notícia altissonante do “speaker” falando que os soldados alemães que ocuparam os subúrbios de Stalingrado haviam se rendido. Nos abraçamos alegres, pressentindo que a vitória do Exército Vermelho era o início da derrota do nazifascismo, o que de fato ocorreu dois anos depois com o suicídio de Hitler e a rendição alemã apresentada ao general Eisenhower.

No ano que que vem, 2024, festejaremos os 78 anos do triunfo dos aliados na 2ª Guerra Mundial, e também teremos  40 anos passados do ressoante libelo de George Orwell contra o totalitarismo do regime ditatorial de um partido único privilegiado e policialesco. Conheça-o melhor, pela indispensável a leitura do livro “1984’.

Girando em torno de um relacionamento amoroso de dois jovens (Winston e Júlia) que enfrentaram a rígida disciplina imposta pelo Grande Irmão; ditador onisciente pelo controle televisivo da cidadania e onipotente nas resoluções punitivas.

O namoro e o enfrentamento da repressão de Winston e Júlia acabou novelescamente com a prisão, a tortura e a lavagem cerebral dos dois. O triste final encontra Winston se embebedando de gin vagabundo num bar, de onde assistiu Júlia passando por ele, e ficou insensível. Na sua vulnerabilidade de autômato venceu a si mesmo, admitindo que o partido e o Grande Irmão estavam sempre certos…

Na ficção – com pedido de perdão a Orwell – criei uma fantasia levando Winston ao enredo da Revolução dos Bichos outro livro seu.  Este personagem encontrou na outrora tirânica Fazenda nova ordem republicana; os porcos que haviam se humanizado voltaram a ser animais e renunciaram às regalias que os fizeram “mais iguais do que os outros”.

Isto ocorreu após a morte de Napoleão – o porco ditador megalomaníaco que os levou ao extremismo zoolátrico. Um acordo aprovado na assembleia dos bichos trouxe o antigo dono de volta, mas sob algumas condições que ele aceitou.

A ração das aves seria farta e todas participariam do lucro com a venda dos ovos excedentes do choco; vacas, cavalos, carneiros, bodes e bois poderiam usar as pastagens quando quisessem e os cachorros nunca seriam presos em correntes. Os porcos, que eram a anterior casta dirigente, não voltariam ao chiqueiro de lama nem receberiam lavagem apodrecida como alimento e sim frutas e legumes mesmo um pouco passados.

A normalização democrática trouxe uma vantagem, a real igualdade entre todos os animais, sob o lema: “Todos por um cada um por todos”, fortalecendo uma união autêntica entre eles; nenhum gozou de privilégios, mas restabeleceu negativamente algo que havia sido banido com a revolução: o Fazendeiro deixou-se corromper pelos compradores dos produtos.

Por esta postura humana – como não poderia deixar de ser – o novo Patrão não foi honesto na contabilidade; apresentava dados e estatísticas falsas para iludir os bicho, tudo em favorecimento próprio, para si e sua nova esposa, vestindo-se, comendo e bebendo do bom e do melhor.

Em tal situação, os bichos despertaram e  fizeram críticas, protestos e até conspirações, convocando novo movimento revolucionário. Embora um porco indiano, seguidor de Gandhi, defendesse a não-violência, os porcos e cachorros jovens estudaram a “ação direta” dos anarquistas e os gatos tornaram-se espiões, vigiando e denunciando as ações delinquentes do Fazendeiro.

Marjorie Salu

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