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Publicado n’ O Jornal de Hoje

Fim do Senado, começo do golpe lulista

MIRANDA SÁ, jornalista (mirandasa@uol.com.br)

Analista político de boa formação, o economista Carlos Lessa escreveu outro dia que “a crise abriu janelas ideológicas para criação de um projeto nacional não neoliberal”. É uma colocação que merece uma reflexão.

Senão vejamos: aproveitando os escândalos que se abateram sobre o Senado, ocupado por arrivistas e suplentes sem-voto, e montado nas multiplicadas denúncias sobre as embrulhadas do capitão-mor José Sarney, Lula da Silva e sua camarilha iniciaram o processo golpista de desmoralização do Poder Legislativo.

Não foi preciso fazer muita força. Contribuiu para isso a idéia patrimonialista dominante no Congresso, que promove a privatização dos recursos públicos e a ocupação de cargos governamentais em proveito próprio ou de grupo (para não dizer “de quadrilha”).

O desdém pela Constituição e a repulsa à ética e moral políticas facilitam as ações antidemocráticas do lulismo-petismo. Nas atividades subversivas dos continuístas o desprezo pelos próprios companheiros de partido se faz ver no Senado, com Lula preterindo-os e envergonhando-os no desavergonhado abraço em Collor, Renan e Sarney.

O Legislativo vive o hibridismo gerado na Constituição de 88, presidencialista com salpicos parlamentaristas, combinando a representação parlamentar com a participação popular e permitindo ao Executivo transformar-se em legislador através das medidas provisórias que traficam interesses particulares sob o pretexto de atender associações, federações, movimentos, núcleos, ongs e sindicatos,

Democraticamente falando, o que legitima a representação política é, sem dúvida, o apoio da sociedade civil. As organizações comunitárias, corporativas, estudantis e sindicais deveriam, em tese, participar, reivindicar e fiscalizar no processo parlamentar. Se isto ocorresse patrioticamente, ajudaria o Poder Legislativo a se fortalecer.

Mas as entidades representativas não respeitam o Congresso, e em especial o Senado, onde suplentes sem-voto dominam espaços fundamentais como a Comissão de Ética e a CPI da Petrobras, escamoteando a legislação e “se lixando para a opinião pública”.

Para esses contribuintes do caos, a opinião pública se resume aos jornais e jornalistas, porque as entidades da sociedade civil estão cooptadas através de dinheiro a fundo perdido, vindo de empresas estatais e/ou órgãos governamentais com verbas próprias.

A “sociedade civil” – entre aspas – também deperece moralmente e está esvaziada de militância autêntica, conforme se viu na revelação cínica de um dirigente sindical que confessou realizar pressões com mercenários pagos por tarefa. Esses manifestantes de aluguel fazem o trabalho associativo, partidário e sindical.

Diante disso, as comissões de ética da Câmara dos Deputados e do Senado Federal jogam as últimas pás de cal sobre o Poder Legislativo, absolvendo corruptos urbanos e rurais.

Felizmente resta a imprensa livre e o Poder Judiciário independente. Estes pilares da democracia atravessam ainda o estágio da crítica, das denúncias e do julgamento sem sujeição. Mas ambos vivem sob a ameaça da insubordinação às leis que se estenderá em crescendo à mídia e à magistratura.

No caso da imprensa, recebemos o alerta de Eugênio Bucci, ex-dirigente da Radiobrás, no livro “A Imprensa e o dever da Liberdade” Ele escreveu que várias Ongs – de finalidade política – “se articulam em redes capazes de cooptar e instrumentalizar parte da cobertura jornalística”, e que não cessam os ensaios de engajamento dos profissionais de imprensa por parte do oficialismo.

Quanto aos tribunais superiores, já surgiram insinuações de que teem sofrido tentativas de influência coercitiva e de pressões políticas. Diante disso a nacionalidade deve estar vigilante. Quaisquer medidas contra a imprensa ou ameaças ao Judiciário serão sinais do golpe que começa com a desmoralização do Senado.

Miranda Sá

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