Companheiros
quero
escrever-me de homens
quero
calçar-me de terra
quero ser
a estrada marinha
que prossegue depois do último caminho
e quando ficar sem mim
não terei escrito
senão por vós
irmãos de um sonho
por vós
que não sereis derrotados
deixo
a paciência dos rios
a idade dos livros
mas não lego
mapa nem bússola
porque andei sempre
sobre meus pés
e doeu-me
às vezes
viver
hei-de inventar
um verso que vos faça justiça
por ora
basta-me o arco-íris
em que vos sonho
basta-te saber que morreis demasiado
por viverdes de menos
mas que permaneceis sem preço
companheiros
Mia Couto
O Poeta
Mia Couto (Beira – 1955) é, sem dúvida, uma referência no campo da literatura de expressão portuguesa, sendo atualmente o escritor moçambicano mais conhecido no exterior.
A sua obra revela ainda influências dos escritores brasileiros João Cabral de Melo Neto e Carlos Drummond de Andrade, do autor moçambicano Craveirinha e de alguns poetas portugueses, como Sofia de Mello Breyner, Eugênio de Andrade ou Fernando Pessoa.
A sua obra tem como tema principal a vida do povo moçambicano, um dos mais pobres e martirizados do mundo, que passou por uma guerra civil de 30 anos e onde persiste uma forte tradição de transmissão da literatura e dos saberes essencialmente por via oral.
Numa cultura onde se diz que “cada velho que morre é uma biblioteca que arde”, Mia empreende uma escrita que liga a tradição oral africana à tradição literária ocidental, tal como ao estudar a floresta como biólogo.
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