Categorias: Notas

Poesia

Muitas vozes

Meu poema

é um tumulto:

a fala

que nele fala

outras vozes

arrasta em alarido.

(estamos todos nós

cheios de vozes

que o mais das vezes

mal cabem em nossa voz:

se dizes pêra,

acende-se um clarão

um rastilho

de tardes e açúcares

ou

se azul disseres,

pode ser que se agite

o Egeu

em tuas glândulas)

A água que ouviste

num soneto de Rilke

os ínfimos

rumores no capim

o sabor

do hortelã

(essa alegria)

a boca fria

da moça

o maruim

na poça

a hemorragia

da manhã

tudo isso em ti

se deposita

e cala.

Até que de repente

um susto

ou uma ventania

(que o poema dispara)

chama

esses fósseis à fala.

Meu poema

é um tumulto, um alarido:

basta apurar o ouvido.

Ferreira Gullar

O Poeta

Nasce em São Luís do Maranhão, em 1930.

Até os 21anos, quando se muda definitivamente de São Luís para o Rio de janeiro, é locutor de rádio, editor de revistas literárias e desenvolve sua cultura poética com leituras sistemáticas de poetas brasileiros e estrangeiros. Autodidata no aprendizado do francês é em visitas à Biblioteca Pública de sua cidade, à maneira de Rimbaud, que passou a compreender a poesia moderna e dá os primeiros passos no estudo da Arte.

Aos dezenove anos é premiado em um concurso de poesias promovido pelo jornal de Letras e publica Um pouco acima do chão (l949), coletânea de poemas com ressonâncias de suas leituras de adolescência, mas que prenunciava o poeta de A Luta Corporal (l954). No Rio de janeiro, colabora em jornais e revistas como poeta e principalmente como crítico de arte, sendo com estes os seus primeiros contatos intelectuais.

A partir d’A Luta Corporal faz parte do movimento concretista com o qual rompe para, em 1959, teorizar e liderar o movimento neoconcretista. Em 1961, considerando o novo movimento esgotado, dedica-se à cultura popular, fazendo parte do CPC da UNE, do qual é presidente até o golpe militar de 1964. Mas, a partir de 1962, seus textos já refletem a preocupação em denunciar e combater a opressão e as injustiças sociais.

Reelabora então sua experiência poética com textos de cordel até chegar aos poemas de Dentro da Noite Veloz, de 1975. Em 1964 publica o ensaio Cultura Posta em Questão, em que aborda temas de cultura popular, artes plásticas e poesia, e em 1969 reaparece com Vanguarda e Subdesenvolvimento, onde teoriza novos conceitos para uma vanguarda estética.

Em 2002, é indicado ao Prêmio Nobel de Literatura por nove professores titulares de universidades de Brasil, Portugal e Estados Unidos. São relançados num só livro, os ensaios dos anos 60: “Cultura posta em questão” e “Vanguarda e subdesenvolvimento”.

Em dezembro o poeta recebe o Prêmio Príncipe Claus, da Holanda, dado a artistas, escritores e instituições culturais de fora da Europa que tenham contribuído para mudar a sociedade, a arte ou a visão cultural de seu país.

Marjorie Salu

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