Categorias: Notas

Poesia

Desolação

A bruma espessa, eterna, para que esqueça de onde

Há-me jogado ao mar em sua onda de salmoura.

A terra a que vim não tem primavera:

tem sua noite longa a qual mãe me esconde.

O vento faz à minha casa sua ronda de soluços

e de alarido, e quebra, como um cristal, meu grito.

E na planície branca, de horizonte infinito,

vejo morrer intensos poentes dolorosos.

A quem poderá chamar a que até aqui há vindo

se mais longe que ela só foram os mortos?

Tão sós eles contemplam um mar calado e rígido

crescer entre seus braços e os braços queridos!

Os barcos cujas velas branqueiam no porto

vem de terras onde não estão os que são meus;

e trazem frutos pálidos, sem à luz de meus hortos,

seus homens de olhos claros não conhecem meus rios.

E a interrogação que sobe a minha garganta

ao olhar-los passar, me descendem, vencida:

falam estranhas línguas e não a comovida

língua que em terras de ouro minha velha mãe canta.

Vejo cair a neve como o pó na sepultura,

Vejo crescer a névoa como o agonizante,

e por não enlouquecer não encontro os instantes,

porque a “noite longa” agora tão só começa.

Vejo o plano extasiado e recolho seu luto,

que vim para ver as paisagens mortais.

A neve é o semblante que aparece a meus cristais;

sempre será sua altura abaixando dos céus!

Sempre ela, silenciosa, como a grande olhada

de Deus sobre mim; sempre sua flor de laranjeira sobre minha casa;

sempre, como o destino que nem mingua nem passa,

descenderá a cubrir-me, terrível e extasiada.

Gabriela Mistral

Tradução Maria Teresa Almeida Pina

A Poetisa

Poetisa chilena (7/4/1889-10/1/1957). É a primeira escritora latino-americana a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1945. Sua poesia única e repleta de imagens singulares não mostra influências do modernismo nem das vanguardas.

Descendente de espanhóis, bascos e índios, Lucila Godoy Alcayaga nasce em Vicuña, uma vila do norte do Chile. Com apenas 15 anos dá aulas. Seu noivo comete suicídio em 1907, fato que marca sua obra e sua vida. Ela nunca se casa e se dedica somente ao trabalho.

Vence um concurso literário chileno em 1914 com Sonetos de la Muerte, assinados com o pseudônimo Gabriela Mistral, formado a partir do nome de dois poetas que admira, o italiano Gabriele D”Annunzio e o francês Frédéric Mistral.

Seu primeiro livro de poesias, Desolación (1922), inclui o poema Dolor, no qual fala da perda do amado. O sentimento de maternidade frustrada aparece nos trabalhos seguintes, Ternura (1924) e Tala (1938). Colabora na reforma educacional do México e do Chile.

Representa seu país como consulesa em Nápoles, Madri, Lisboa e Rio de Janeiro. Em 1954 publica Lagar. Leciona literatura espanhola na Universidade de Columbia. Morre em Hempstead, no estado de Nova York.

Marjorie Salu

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Marjorie Salu
Temas: poesia chilena

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