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A imprensa e a sociedade brasileira aprenderam a prestar atenção nas doações de campanha. E os políticos, a escondê-las.

As contas de campanha são as impressões digitais de uma candidatura. O exame das listas de financiadores esclarece mais sobre o caráter de um político que os programas de governo, normalmente elaborados para apresentar aos eleitores a imagem mais asséptica possível do candidato.

O velho ditado poderia ser adaptado a “diga-me quem paga suas contas eu direi quem és”. Há algum tempo, a imprensa e a sociedade brasileira aprenderam a prestar atenção nesses números. E os políticos, a escondê-los.

A repórter Cátia Seabra, da Folha de S. Paulo, passou os últimos dias examinando com lupa as contas dos principais candidatos à prefeitura da capital paulista. Comprovou o que se suspeitava. Divergências políticas à parte, os partidos usam a mesma estratégia quando se trata de disfarçar quem municiou seu caixa de campanha.

Nada menos que R$ 42,7 milhões não serão identificados, graças a um truque contábil. Em vez de doar o dinheiro ao candidato, as empresas entregam a verba aos partidos. Esses repassam a dinheirama aos candidatos. Nas prestações de contas, o valor aparece como “contribuição do partido”.

A estratégia serve para disfarçar doadores. Porque no Brasil estabeleceu-se uma lógica perversa. Com as campanhas cada vez mais caras, os partidos passaram a depender cada vez mais de um punhado de grandes financiadores. E quem investe, invariavelmente, são empresas que têm contratos com o governo ou atuam em setores que sofrem interferência e regulamentação estatal.

A campanha de 2006, que elegeu o presidente da República, governadores e renovou as bancadas no Congresso e nas assembléias legislativas, custou cerca de R$ 1,5 trilhão. Um terço dessa montanha de dinheiro veio de apenas 200 doadores. Na época, eu e o repórter Lúcio Vaz usamos essas informações para traçar um mapa dos donos do poder no Brasil. Em destaque, bancos, empreiteiras, mineradoras e siderúrgicas.

Lembro que houve uma tempestade de protestos. O assessor de uma das maiores financiadoras telefonou reclamando: “Vocês estão criminalizando as doações legais, ao vincular o dinheiro doado com os contratos das empresas com o governo. Se isso continuar, ninguém vai dar dinheiro no Caixa 1”. O problema é que, depois do mensalão e outros escândalos, o Caixa 2 se transformou numa prática perigosa. Nossos políticos, sempre criativos, não se apertaram. Inventaram o Caixa 1.5. O dinheiro entra nos cofres do partido, que cumpre a tarefa de disfarçar quem é o mecenas.

Numa dessas matérias, o tesoureiro do DEM, Saulo Queiroz, falou com invulgar sinceridade sobre o esquema. “Tem uma instrução do TSE que abriu essa brecha. Quem primeiro utilizou foi o PT. As empresas mais espertas descobriram que poderiam fazer assim. Esse modelo não identifica o doador, não carimba a doação. Quando a empresa faz doação para um candidato que não vai ganhar, faz dessa maneira (para o partido) porque fica escondido.”

A estratégia não é privilégio de nenhum partido. Na campanha de São Paulo, todos usaram e abusaram do instrumento. O comitê eleitoral do prefeito Gilberto Kassab (DEM) arrecadou R$ 34,4 milhões. Desses, R$ 17,6 milhões foram repassados pelo partido. Na campanha do tucano Geraldo Alckmin, mais da metade dos R$ 16 milhões gastos passou antes pelo cofre do partido. A petista Marta Suplicy contabilizou em sua campanha R$ 14,4 milhões em supostas doações partidárias.

Pode conferir em qualquer outra contabilidade de campanha nas capitais. Tanto faz o candidato ou a cidade. O partidoduto estará lá, ajudando a tornar as contas menos transparentes.

Na campanha presidencial dos Estados Unidos, o democrata Barack Obama operou um milagre político, do qual já falei em outras colunas. Inverteu a lógica do financiamento e trocou as grandes corporações por doações individuais, feitas pela internet. Deu tão certo que conseguiu fazer a campanha mais cara da história americana. Dados compilados pelo jornalista Fernando Rodrigues mostram que 3,5 milhões de pessoas fizeram doações, que somaram US$ 500 milhões. Mais que isso, quem doou dinheiro acabou se incorporando à campanha.

No Brasil, andamos na contramão. Menos participação e menos transparência.

Fonte: Gustavo Krieger

Marjorie Salu

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Marjorie Salu

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