SANGUE

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MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)

“De todas as sementes confiadas à terra, o sangue dos mártires é o que dá colheita mais rápida. ” (Balzac)

Havia nas circunvizinhanças de Jerusalém um descampado conhecido como Haceldama – em aramaico, “Campo de Sangue” –, nome dado ao logradouro pela crença de que teria sido comprado e pago com os trinta dinheiros de Judas, o pagamento pela entrega de Jesus aos fariseus.

Sangue, como verbete dicionarizado, é um substantivo de origem latina (sanguen.inis), fluido biológico líquido e nutriente que percorre pelas veias e artérias no sistema circulatório dos animais vertebrados vivos; levado ao Reino Vegetal é a seiva que alimenta as plantas.

Entre os sinônimos da palavra Sangue, encontramos figuradamente “casta”, “classe” e “raça”; o primeiro, “casta”, refere-se à genealogia, método criado por Nietzsche para ligar a História com a Filosofia; o ensaio nietzschiano foi aproveitado modernamente pelo filósofo francês Michel Foucault no estudo das tecnologias.

Assim, a genealogia passou a ser um critério para levantar a origem, evolução e disseminação das famílias e respectivos sobrenomes, ou seja, o “estudo do parentesco”, uma pesquisa que vai muito longe… Aprofundando-se, vai ao mito bíblico com cena de sangue entre os irmãos Abel e Caim, e chega à fundação de Roma com os gêmeos Rômulo e Remo.

O romantismo dos poetas diz que família não é uma questão de sangue, que você elege os seus parentes… O florentino Giovanni Boccaccio escreveu que “as ligações de amizade são mais fortes que as do sangue da família“.

Para isto inventou-se o tal “pacto de sangue”, que consiste em duas pessoas furarem o dedo indicador e juntarem ambos ferimentos de onde flui o sangue, misturando um do outro. Há radicais que fazem o mesmo procedimento cortando e juntando os pulsos….

A cultura popular acumula uma série de ditados e aforismos sobre o sangue, falando, por exemplo, de “sangue azul” referindo-se a membros da nobreza, “sangue bom” para pessoa de boa índole, ou “sangue de barata” o que se mantém calmo diante de qualquer adversidade.

Diz-se de “sangue nos olhos” e “sangue quente” para pessoas irritáveis, raivosas de caráter explosivo; e os racistas costumam usar a trapaça hipócrita de “sangue puro”. Hitler no seu livro Mein Kampf – “Minha Luta” –, dedica vários períodos ao sangue, um deles falando do envenenamento da “raça ariana” pela miscigenação étnica através de casamentos.

Talvez pelo racismo insano dos nazistas, alguns lexicógrafos, autores segregacionistas de dicionários, aceitem e registrem “raça” como sinônimo de sangue, como escrevemos acima. Desmentindo-os temos o sangue universal, de amarelos, brancos, negros e vermelhos, firmado por Jesus Cristo na Última Ceia: ‘Este é o meu sangue, que é derramado para remissão de pecados (Mateus 26:28).

Corre nos sertões nordestinos a sentença “é o sangue que faz mal ao sangue”, e isto se comprova na intervenção sanguínea do presidente Jair Bolsonaro para absolver o filho Flávio, envolvido no caso das rachadinhas, e paga por isto com o desgaste no seu projeto da reeleição…

… E o pior é que além das preocupações paternais e obcecado pela reeleição o Presidente não vê os óbitos provocados pela covid-19; ignorando o que Balzac prognosticou: o sangue dos mártires é o que dá colheita mais rápida”.

Se acordasse para isto, estancaria o negacionismo externado nas suas inconsequentes intervenções, quando chama de “maricas” os que defendem vida contra o vírus, ao indicar remédios ineficazes e pôr em dúvida uma vacina contra o novo coronavírus.

Isto nos leva ao “Grande Sertão Veredas”, onde Guimarães Rosa põe na boca de um personagem:  “Por que o Governo não cuida?! Uma coisa é pôr ideias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias…”

 

 

 

 

 

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