Lula, o cartola

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Trecho do livro “Por que não desisto”  de Juca Kfouri, lançado pela Editora Disal, em 2009, e organizado pelo jornalista Márcio Kroehn. 

 

Lula, o cartola

 

Três importantes medidas sancionadas no governo Lula envolvem diretamente o futebol. O Estatuto do Torcedor e a Lei de Moralização do Futebol fizeram parte dos primeiros meses de mandato do presidente. A última, a nova loteria esportiva, aconteceu meses antes da reeleição de Lula para um segundo tempo à frente da Presidência da República.

Às vésperas da assinatura das duas primeiras leis do governo Lula (o Estatuto do Torcedor e a chamada Lei da Moralização do Futebol) recebi um telefonema do chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho.

Ele queria saber se eu iria à cerimônia, no Palácio do Planalto. Respondi que não. E ouvi dele que o presidente ficaria feliz se eu fosse. Fui.

Surpreso, ouvi o presidente, na abertura de seu discurso, dizer textualmente: “Nunca mais quero ouvir o Juca Kfouri dizer que no Brasil o torcedor é tratado como gado.” E, no fecho, o ouvi dizer, não me recordo exatamente das palavras, que a minha presença ali significava um desagravo a todos os jornalistas que foram “perseguidos e processados” por lutar por um esporte limpo no Brasil.

Era um Lula alegre, leve e solto. Estávamos em maio de 2003 e, admito, ingenuamente, voltei para São Paulo feliz da vida.

Poucos anos depois, pouca coisa mudou. Os torcedores continuam a ser tratados como gado e o nosso esporte é tão sujo como então. Mas, sem dúvida, uma mudança houve e foi radical, estridente, calamitosa, escandalosa, brutal: Lula virou cartola de futebol.

Um Lula rancoroso e com a má consciência de quem, enfim, mergulhou seu governo na vala comum dos que o antecederam.

A ponto de inocentar os cartolas da CBF e dos clubes e afirmar que a culpa do estado de coisas em nosso futebol é nossa, de todos.

Que ele não queira assumir responsabilidades que são dele é compreensível porque, afinal, nunca soube de nada, nunca viu nada, nunca fez nada. Mas dividir culpas que têm endereço certo com quem nada tem a ver com isso é demais.

Na cerimônia de assinatura da Timemania, entre outras pérolas, Lula perguntou e respondeu: “Como é que a Espanha chegou ao que chegou? Como é que a Itália chegou aonde chegou? Dizer: “Mas, no Brasil, é porque os dirigentes não são honestos”, é a coisa mais simples, é você jogar a pecha de desonesto em cima de alguém. A Itália, que é esse monstro sagrado do futebol, que já está quase perto do Brasil na conquista de Copas do Mundo, todo dia a gente tem uma denúncia no jornal, entretanto, o futebol não perde o profissionalismo.” Pois é, presidente.

Na Itália, time cai por causa da desonestidade. Na Espanha, cartola é preso pelo mesmo motivo.

Aqui, seu discurso está sendo aplaudido de pé por Edmundo Santos Silva, ex-cartola impune do Flamengo, aquele que reconheceu na CPI do Futebol que não era um “criminoso comum”.

E Alberto Dualib, o presidente do seu Corinthians, só não esteve de corpo presente para também aplaudi-lo porque negocia em Londres com a máfia russa para trazer mais dinheiro e cobrir os rombos de sua danosa gestão.

Foi para essa gente que está criada a Timemania, sem nenhuma contrapartida que exija mudança estrutural no modelo de gestão ou na responsabilização individual dos cartolas.

“Eu sei que tem muita gente que faz crítica, tem muita gente que fala em clube-empresa com uma facilidade, é tudo muito fácil na teoria”, discursou Lula, diante da concordância agora entusiasmada de Mustafá Contursi, eminência parda do Clube dos 13 e responsável pelo rebaixamento do gigante Palmeiras tempos atrás.

Mas, mais do que isso: cartola que só não criou uma empresa sua para ficar com o Palmeiras porque a “Folha” descobriu e denunciou. Meu raro leitor: fique você sem pagar seus impostos.

Quem sabe o governo não lhe dê uma loteria para pagá-los?

 

(Publicado na “Folha de S.Paulo” de 17/09/2006)

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