ACÓRDÃO
MIRANDA SÁ (Email: mirandasa@uol.com.br)
“Só quem entende a beleza do perdão pode julgar seus semelhantes” (Sócrates)
Poucas sentenças jurídicas satisfazem as duas partes de um processo, porque é decisão proferida por um único magistrado, de qualquer instância ou tribunal. A única aceita por unanimidade foi a de Salomão no caso das duas mães, de conhecimento geral.
Entre as fabulosas histórias da Grécia Antiga, temos o caso de Cicno, rei de Colonê, que acreditando em calúnias de que o filho do primeiro casamento, Tenes, o traía com a nova esposa, mandou encerrá-lo num baú e jogá-lo ao mar. Foi reconhecida injusta essa decisão, e o Deus do Mar levou o baú para a ilha de Leucofris; protegido de Netuno e salvo milagrosamente, Tenes se tornou rei da ilha que passou a se chamar Tenedo.
Tanto empolgam as histórias sobre a Justiça que alguns processos se rivalizam com as novelas, dando no Brasil uma grande audiência à TV-Justiça, que suspeitosamente alguns ministros do STF sugerem que deixe de transmitir julgamentos.
É do Supremo que saem os acórdãos, que significam a decisão plenária de um tribunal, diferenciando-se da sentença, que é uma decisão monocrática, de juiz de primeira instância, desembargador ou ministro de tribunais superiores.
O acórdão, como decisão final de um processo, serve de paradigma para solucionar casos análogos. É uma palavra forte trazendo curiosamente o acento agudo de tonalidade aberta e o sinal diacrítico til, para anasalar vogais.
Dicionarizado, o verbete acórdão é um substantivo masculino, de origem latina “cor” – coração, como termo jurídico é “saber pelo coração”, equivalente ao “de cor” e também de acordar, “cordatus”.
Usando o conto de François Andrieux, “O Moleiro de Sans-Souci”, o célebre dramaturgo Bertold Brecht pôs na boca de um dos seus personagens a expressão “ainda há juízes em Berlim”. Repito isto muitas vezes para enaltecer os juízes brasileiros que levam a sério o combate à corrupção e ao crime organizado.
Repito que estes magistrados estudam e conquistam suas cátedras aproveitados por concursos muito concorridos. São admirados pelos três “iii” que possuem, independência, inteligência e intransigência. Gosto de destacar entre eles o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
É impossível esquecer a coragem de Moro ao sentenciar à prisão, por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente da República, Lula da Silva. Sofre até hoje a perseguição dos fanáticos seguidores do presidiário, enaltecido pelos que fazem dos companheiros corruptos “heróis”.
Como juiz, Moro foi reconhecido pelas instâncias superiores, o Tribunal Regional Federal (TRF4) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que confirmaram a condenação proferida, a despeito de pressões políticas, tramas e conspirações inomináveis dos fanáticos defensores do narcopopulismo.
Levando este texto para o desfile dos provérbios em apoio aos magistrados que praticam a justiça boa e perfeita, pesquei um caso vindo da Austrália, o julgamento em Brisbane de uma jovem, conhecida como “A Japonesa”, denunciada pelos médicos locais pela prática fraudulenta da Medicina. Sentada no banco dos réus foi inquirida pelo juiz.
– “A senhora é formada em Medicina? ”
– “Não, Excelência”.
– “Atende pessoas que buscam cura para enfermidades? ”
– “Sim, Excelência”.
– “Como atende os pacientes sem ser pela medicina oficial? ”
– “Rezo, e ajudada pela meditação, prescrevo o uso de certos chás e amuletos…”
Ouvida esta última declaração, o Promotor se apressou para pedir a condenação da ré, aplaudido pelos médicos que lotavam a sala. O Juiz-Presidente pediu silêncio e atenção; e falou:
– “Não vou atender o que reivindica o Promotor, porque de consciência não posso condenar esta mulher. Arrisco a minha posição e até a minha carreira, mas absolvo-a”, sentenciou, e justificou: – “Enquanto uma junta médica formada por ilustres professores me declararam portador de doença incurável, a Japonesa salvou-me a vida”.
Na engenharia temos uma figura de lógica que se chama “maioria de razão”. Aplica-se perfeitamente ao caso.
Quem faz Caridade persistindo nela, recebe de “Deus a Caridade Dele”, ou seja, Sua Infinita Misericórdia.
O que se espera de um juiz é que seja justo e honesto em suas sentenças e conforme a situação uma boa dose de misericórdia nelas também não fará nenhum mal !
Miranda, a história d’A Japonesa, fechando seu texto, apenas abrilhanta ainda mais o princípio das suas ideias postas aqui.
Cada dia mais me torno fã da sua idoneidade na defesa dos seus princípios.