Pequenos Poemas em Prosa – Charles Baudelaire

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O CÃO E O FRASCO

“Meu bom cão, meu cachorrinho, querido Totó, chegue- se e venha respirar um excelente perfume comprado no melhor perfumista da cidade.”
E o cão, agitando a cauda, o que é, creio eu, nesses pobres seres, o sinal correspondente a um sorriso ou riso, aproximou-se e pousou curiosamente seu focinho úmido sobre o frasco destampado; em seguida, recuando subitamente, com medo, latiu contra mim como se me reprovasse.
“Ah! miserável cão, se eu tivesse lhe oferecido um pacote de excrementos, você o teria farejado com prazer e talvez até devorado. Assim você mesmo, indigno companheiro de minha triste vida, você se parece com o público a quem não se pode jamais presentear com perfumes delicados que o exasperam mas com sujeiras cuidadosamente escolhidas.”

 

3 respostas para Pequenos Poemas em Prosa – Charles Baudelaire

  1. Ednalva disse:

    Ainda bem que esse público, pode ser qualquer um. Atualmente, trambicagens estão em todos os lugares, em todas as classes, aos montes.

  2. Irene Mattos Felix disse:

    Lembrei do texto de Brecht, my lord, Se os Tubarões Fossem Homens Infelizmente é assim Vais comentar que algo bom aconteceu com alguém e ninguém presta atenção Comentas uma fofoca e todos são ouvidos

  3. Camila disse:

    Baudelaire atualíssimo. Estamos como cães: ignorantes da necessidade da beleza na vida, a feiúra toma nossos espaços mentais sem resistência. Pior: até mesmo com aceitação tácita.
    Seja na música ou na arquitetura, na verdade ou na justiça, o culto ao belo – que, aliás, nos impele à transcendência – vai tornando-se irrelevante. Já o contrário, o que agride o ouvido ou a alma, a retina ou a consciência, passa a ser, pela freqüência com que se impõe, o aceitável.
    Não surpreende que os citadinos brasileiros, a qualquer feriado, fujam para o baluarte da resistência à feiúra que se transformou a natureza.

    Ontem, Mário Sabino escreveu ironicamente que chegou ao Brasil e ao aspirar o cheiro do Tietê se sentiu, enfim, num país normal.