Carlos Drummond de Andrade

[ 4 ] Comments
Compartilhar

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

 

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

 

4 respostas para Carlos Drummond de Andrade

  1. elisabeth laval jede disse:

    Um poeta descrevendo a vida de todo ser humano quando chega um tempo. E esse tempo chega sempre para quem se mantem vivo.Drumond de Andrade
    Poeta realista observador da vida e acredito :encantado de estar vivo!

  2. elisabeth laval jede disse:

    Obrigada Miranda!

  3. marilene marques disse:

    Gosto desta lucidez do poeta!

  4. Oliveirawa disse:

    É chegado o grande dia, um privilégio de poucos, o dia em que não tememos mais a morte..Quiça! Compramos a passagem somente de ida…rsrsr