Poesia

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Não Me Sinto Mudar


Não me sinto mudar. Ontem eu era o mesmo.

O tempo passa lento sobre os meus entusiasmos

cada dia mais raros são os meus cepticismos,

nunca fui vítima sequer de um pequeno orgasmo

mental que derrubasse a canção dos meus dias

que rompesse as minhas dúvidas que apagasse o meu nome.

Não mudei. É um pouco mais de melancolia,

um pouco de tédio que me deram os homens.

Não mudei. Não mudo. O meu pai está muito velho.

As roseiras florescem, as mulheres partem

cada dia há mais meninas para cada conselho

para cada cansaço para cada bondade.

Por isso continuo o mesmo. Nas sepulturas antigas

os vermes raivosos desfazem a dor,

todos os homens pedem de mais para amanhã

eu não peço nada nem um pouco de mundo.

Mas num dia amargo, num dia distante

sentirei a raiva de não estender as mãos

de não erguer as asas da renovação.

Será talvez um pouco mais de melancolia

mas na certeza da crise tardia

farei uma primavera para o meu coração.

Pablo Neruda

(Tradução de Albano Martins)

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