Poesia

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Noite Insular, Jardins Invisíveis

 A Prova do Jade

 

Quando cheguei à subdividida casa

onde tanto poderia encontrar o falso

relógio de Potsdam os dias de visita

do enxadrista Von Palem, ou o periquito

de porcelana da Saxônia, favorito de Maria Antonieta.

Estava ali também, em sua caixa de pelúcia

negra e de algodão envolto em tafetá branco,

a pequena deusa de jade, com um grande ramo

que passava de uma para a outra mão mais fria.

Ascendi-a até a luz, era o antigo

raio de lua cristalizado, o gracioso bastão

com que os imperadores chins juravam o trono,

e dividiam o bastão em duas partes e a sucessão

milenária seguia subdividindo e sempre ficava o jade

para jurar, para dividir em duas partes,

para o yin e para o yang.

Mas o provador, ocioso de metais e de jarras,

me disse com sua cara rápida de coelho cor caramelo:

apóie-se na face, o jade sempre frio.

Senti que o jade era o interruptor,

o interposto entre o pascalino entre-deux,

o que suspende a afluência claroescura,

a espada para a luminosidade espelhante,

a sílaba detida entre o rio que impulsa

e o espelho que detém.

Dá prova de sua validez pelo frio,

isca para o coelho úmido.

Todas as jóias na lâmina do escudo:

matinal o coelho oscilando

seus bigodes sobre uma espiga de milho.

Que começos, que ouros, que trifólios,

o coelho, a rainha do jade, o frio que interrompe.

Mas o jade é também um carbúnculo entre o rio e o espelho,

uma prisão de água onde se espreguiça

o pássaro fogueira, desfazendo o fogo em gotas.

As gotas como peras, imensas máscaras

às quais o fogo ditou as escamas de sua soberania.

As máscaras feitas realezas pelas entranhas

que lhes ensinaram como o caracol

a extrair a cor da terra.

E a frieza do jade sobre as faces,

para proclamar sua realeza, seu peso verdadeiro,

seu rastro congelado entre o rio e o espelho.

Provar sua realidade pelo frio,

a graça de sua janela pela ausência,

e a rainha verdadeira, a prova do jade,

pela fuga da geada

em um breve trenó que traça letras

sobre o ninho das faces.

Fechamos os olhos, a neve voa.

 

José Lezama Lima

(Trad. Haroldo de Campos)

Nasceu em 1910, em Cuba. Poeta e romancista, é considerado um dos protagonistas do “barroco latino-americano”. Após a revolução cubana de 1960, impôs-se um exílio interno, até que, em 1966, publicou Paradiso. Antes e depois disso, publicou obras que ocupam lugar de destaque na literatura latino-americana: Muerte de Narciso (1937), Enemigo rumor (1941), Aventuras sigilosas (1945), Antología de la poesia cubana (1965) e Poesia completa (1970).

Em 1996, teve seu livro A dignidade da poesia editado no Brasil. Em 2001 foi publicada em Valência, Espanha, a enciclopédia Vida y obra de José Lezama Lima, com 900 verbetes que incluem obra, personagens e um diário do autor. Faleceu em 1976.

 

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