Arquivo do mês: dezembro 2017

OS “12” MAIS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Gente é para brilhar,/ que tudo mais vá para o inferno,/ este é o meu slogan/ e o do sol” (Maiakóvski)

Imaginei fazer este ano a lista dos “dez mais” – com pessoas que se destacaram neste ano do Senhor de 2017… Trata-se de uma escolha pessoal, sem pretensão de impingi-la a ninguém. Muito menos aos milhares de amigos do Twitter.

Não invento nada; não criei, apenas redescobri uma antiga fórmula do jornalismo para avaliar pessoas e até coisas que se projetaram em certo período.

O mérito de fazer sobressair fatos, nomes e instituições vem de longe, do século passado, mais propriamente dos anos 1940. Seu nascimento se deve a um fotógrafo, Ibrahim Sued, que fazia freelance nos jornais “A Vanguarda”, “Diário Carioca” e “Tribuna da Imprensa”, do Rio de Janeiro.

Com a sorte – Madrinha dos fotógrafos – flagrou um momento em que o líder da UDN, Otávio Mangabeira fez um gesto dando a impressão de beijar a mão do general americano Dwight D. Einsenhower que visitava o Brasil. E criou uma celeuma política bombástica.

Daí em diante, a sua carreira na imprensa se firmou e mesmo semianalfabeto, com brilhante inteligência (herdade de seus ancestrais libaneses) Ibrahim Sued tornou-se o inovador do colunismo social, explorando aquilo a que se refere Arnaldo Niskier a “fogueira das vaidades”. Escreveu para vários jornais, revistas, e teve um programa na TV-Globo.

As listas dos “dez mais” de Sued alcançavam surpreendentes personagens que iam do presidente Dutra ao sambista Ataulfo Alves e eram esperadas por todos, de todas as classes sociais.

Pela fama adquirida, o colunista social impôs bordões ao coloquial brasileiro, como “café society”, “champanhota”, “de leve” e inspirado nos ditados árabes, “os cães ladram e a caravana passa” e “cavalo não desce escada”… Foi citado numa crônica de Manoel Bandeira, entrou na letra de um samba de Jorge Veiga e numa paródia de Juca Chaves.

A divulgação de listas de “dez mais”, segundo pesquisas, foi inspirada nas colunistas da imprensa norte americanas Elza Maxuel e Louella Parsons, mas no Brasil quem as consagrou foi sem sombra de dúvidas Ibrahim Sued.

Mais tarde esta seleção de realce de personalidades ganhou o mundo, com os dez finalistas da UEFA, os dez jogadores mais festeiros do futebol do jornal esportivo Às, da Espanha, e os dez livros mais vendidos divulgados pela Editora Saraiva.

A revista Exame divulgou também os dez mais procurados pelo FBI por crimes de colarinho branco e por terrorismo, e o popular animador da televisão Silvio Santos apresenta a anos o Troféu Imprensa, lista anual dos destaques da tevê.

A minha lista inflacionou. Em vez de dez tem doze, não pude limitá-la. Trago-a à apreciação dos que leem os meus artigos:

1º)  A professora Heley Abreu, 43, teve 90% do corpo queimado para impedir que crianças fossem queimadas, no incêndio criminosos provocado na creche da cidade de Janaúba, em Minas Gerais;

2º)  Os juízes Sérgio Moro e Marcelo Bretas, que conquistaram o respeito nacional julgando os crimes de corrupção investigados pela Operação Lava Jato;

3º)  A procuradora Raquel Dodge, cuja atuação à frente da Procuradoria Geral da República até agora não decepcionou como ocorreu no STF;

4º)  A senadora gaúcha Ana Amélia Lemos que se projeta, como uma flor no pântano da mediocridade e da corrupção parlamentar;

5º)  O humorista de apresentador de televisão Danilo Gentili, que ganhou a maior audiência no seu horário por mérito pessoal;

6º)  O jornalista Fernando Gabeira pelas excelentes reportagens televisivas e artigos que refletem a visão equilibrada da política nacional;

7º)  A repórter Andrea Sadi, uma revelação na nova geração de jornalistas, pela qualidade da sua atividade profissional;

8º)  O fotógrafo Sebastião Salgado laureado internacionalmente pela sua dedicação ao trabalho artístico e educativo;

9º)  A diva do teatro brasileiro Bibi Ferreira, incansável no seu afã de representar e produzir peças de real valor dramático.

10º)  A cantora Anitta, pelo trabalho que vem realizando como artista e produtora de clipes de ótima qualidade;

11º) O técnico da Seleção Brasileira Tite, que arrumou o time pelo conhecimento do futebol e liderança pessoal

12º) O jornalista e escritor potiguar, Rubens Lemos Filho pelo excelente livro “Memórias Póstumas do Estádio Assassinado”, denunciando a demolição de uma obra de arte arquitetônica em Natal – O Machadão – pelos propineiros, e narrando a sua história futebolística.

DOS ERROS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)  

         “Ao examinarmos os erros de um homem, conhecemos o seu caráter” (Confúcio)

70 anos atrás, no tempo em que a minha fome de ler só perdia para a voracidade estomacal de adolescente, passou por minhas mãos um livro, “La trahison des Clercs” – “A traição dos intelectuais”. Não lembrava a autoria, mas o Google registra que é do escritor francês Julien Benda e foi publicado em 1927 e reeditado 1946

A memória do texto se deve ao infeliz momento no Brasil que atravessa a decadência da cultura em todos os estamentos sociais das Artes, do Direito, do Jornalismo e da Literatura.

É tão generalizada a queda da qualidade intelectual na atualidade que o argumento “esquerdista” da falta de oportunidades cai por terra, ao nos lembrar das extraordinárias figuras de Benjamim Constant, Carlos Chagas, Castro Alves, Rio Branco, Epitácio Pessoa, Santos Dumont, Silvio Romero, Pedro Américo, Oswaldo Cruz, Lima Barreto, Rui Barbosa, Machado de Assis… Seria fastigioso citar mais ilustres compatriotas do passado.

O legado desses brasileiros está sendo trocado pelas exposições pornográficas e canções pornofônicas, pela exibição asquerosa de estudantes histéricas, pela adoção de ideologias tronchas nos tribunais e pelo estado patológico da chamada grande imprensa.

Já não se encontram na mídia os erros médicos e judiciários; nem a falência da representação popular no Congresso, nem a apatia medíocre da Academia. Hoje, a editoria política dos jornais virou página policial, e as manchetes só abordam escândalos sexuais de personalidades do cinema e da televisão.

Seja como for, eu não poderia ser injusto se escondesse entre os erros, acertos que deixo para Deus. Relembro a História, e nela o fato em que o Papa enviou o cardeal Monfort para tratar da heresia albigense e este decretou: – “Exterminem-se todos; Deus saberá escolher os seus…”

Nada diferente da anedota que corre sobre um determinado pastor protestante que joga o dinheiro do dízimo para o ar e diz que Deus pega os dele; as notas e moedas que caem no chão “são minhas”.

Também deixo ao julgamento divino o caso da atriz negra que disse outro dia que as pessoas trocam de calçada para não olhar o seu filho. Mentira deslavada. Ninguém neste País faria isto; a aleivosia – isto não pode ser considerada denúncia – é feita para trocar a falta de talento pelo holofote do escândalo e a projeção do nome.

Deixo para o julgamento divino aquela escritora (que ninguém leu) que na avidez de um cotejo personalista improvável se compara a Lima Barreto, um mestre da escrita e do enredo.

Deixo para o julgamento divino a imprensa (aonde poucos jornalistas, novos ou antigos se salvam) “vendendo pesquisas” que todas pessoas bem informadas sabem serem compradas.

Que Deus julgue o juiz togado do STF, que na sua onipotência libertou um compadre da prisão decretada na 1ª Instância por revelar-se mafioso, corrupto e corruptor. Este meritíssimo, se vivesse anos atrás, se sentiria obrigado a se julgar impedido.

E chegando à Justiça, é impossível calar o clamor popular diante da leniência das primeira e segunda instância deixando Lula da Silva, um réu condenado por vários crimes, solto e fazendo campanha política com acusações insanas contra o juiz que o julgou.

Constatamos a dificuldade das exigências por Justiça, chegarem à Suprema Corte na sua suspeitosa vagareza para julgar e muitas vezes pelo engavetando dos processos. Não é por acaso que até hoje as declarações de Antônio Palocci, ex-poderosíssimo ministro nas gestões de Lula e de Dilma como proposta de delação premiada não foram ainda acolhidas pela Justiça.

Uma revista semanal trouxe as contundentes acusações de Palocci sobre os governos a que serviu; e mais, conta que o PT recebeu US$ 1 milhão de dólares do ditador líbio Muamar Kadafi para a campanha de Lula em 2002.

Diante disto, tudo o que se refere a Lula na vida criminosa paralela à do político, é fichinha. Ele cometeu um crime de lesa pátria receber dinheiro de procedência estrangeira na campanha eleitoral. Aliás, a traição nacional dos lulopetistas nunca foi segredo; é feito abertamente no chamado “Foro de São Paulo”.

Será um erro inominável que o STF continue a se omitir e que, junto às demais autoridades da República, civis, eclesiásticas e militares, não assuma uma punição exemplar para a traição ao País. Como ensina Freud: “De erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade”. E não quero esperar a punição divina!

PIADAS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

“Toda anedota, no fundo, encobre uma verdade” (Sigmund Freud)

Na minha infância, as “piadas” eram chamadas “anedotas” ou “pilhérias”, motivo de dar risada pelo relato engraçado de um fato surreal, absurdo, ou distorcendo a realidade de modo caricato. Para o meu gosto, sempre achei as ingênuas melhores…

O besteirol é para mim como os espetáculos circenses, dando-nos um enorme prazer assexuado. Adivinhações, analogias, apelidos, críticas políticas, imitações, paradoxos, relações de semelhança entre desiguais e trocadilhos me agradam mais do que as “piadas sujas” preconceituosas ou atentados à moralidade e ao pudor.

Eu acreditava, na minha pré-adolescência naquilo que se convenciona chamar de “opinião pública”. Talvez por influência do meu pai que tirava conclusões pelo cotejo na leitura dos jornais da época, comprando vários deles, desde o conservador Correio da Manhã à Tribuna Popular, comunista; do Diário de Notícias, liberal, ao integralista “A Marcha”.

De formação positivista, papai ensinava que a opinião pública se firmava na sentença “a voz do povo é a voz de Deus”…  Ah, se vivesse nos dias atuais e lesse os jornais de hoje! Com seu humor irônico, Millôr Fernandes descreve o que a imprensa é:  “Às vezes a única verdade que encontramos nos jornais é a data”; uma piada que retrata uma realidade.

Eu acrescentaria que a piada desenhada como charge, também se salva na mídia impressa, assim como os programas humorísticos da televisão. Ri outro dia quando ouvi o comentário: – “Big Brother” de menino é buraco de fechadura”.

Não é por acaso que a força das piadas é reprimida pelas ditaduras…. E, por falar de ditaduras – que abomino, seja de direita ou de esquerda, civil ou militar – registramos prisões de humoristas e cômicos em Cuba e na Venezuela; mas registro historicamente uma exceção: a ditadura Vargas.

Getúlio gostava de anedotas, mesmo com referência a si próprio; ria das caricaturas e das comédias teatrais onde muitas vezes era imitado e que pessoalmente assistia no Teatro Recreio…

Eu adoro os humoristas e talvez por isso sou fascinado pelos que têm o dom daquilo que se chama “presença de espírito”; a pronta resposta inteligente e vivaz de pessoas, sejam analfabetas ou cultas, e de crianças inocentes. As piadas do Juquinha são fascinantes!

É engraçado um médico aconselhar ao paciente para não se aborrecer, manter a calma, relaxar e repousar, como se se pudesse encontrar comprimidos, xaropes ou injeções para atender cada uma dessas prescrições…

Igualmente como brincadeira, considero uma piada quando aquelas moças e moços figurantes de novelas da TV-Globo, com rápidas passagens de transeuntes ou como o garçom que não fala, se considerarem “artistas” e assumindo o direito a dar pitacos na política e na economia.

Falar em artista, lembrei-me que no mundo do cinema corre uma história dos anos 1930, quando a crise nos EUA obrigou Hollywood a patrocinar shows, e um deles o concurso sobre imitadores de Carlitos.

Além dos inúmeros amadores, vários atores cinematográficos se candidataram e um notável entre eles tirou o oitavo lugar pela apreciação dos jurados, e 12º lugar classificado com os votos do público. Sabem quem foi ele? Charles Chaplin, em pessoa, que concorreu incognitamente. Não parece piada?

Atualmente no Brasil, evoca-se a presença de militares no poder a fim de varrer a corrupção dos políticos e repor o País nos trilhos. Peço aos defensores da intervenção militar para me apontar entre a oficialidade atual um Golbery, um Aurélio Lira Tavares, um Meira Matos, um Castelo Branco, um Mourão Filho… A ESG ainda existe?

De militares lembro a piada do general Góis Monteiro. Visitando a Alemanha nazista ele assistiu um oficial das SS – para mostrar a obediência e lealdade do soldado alemão – ordenar que um deles se atirasse do alto de uma torre.  E o cara pulou para a morte.

Chegando ao Brasil, Góis resolveu testar a formação dos recrutas do 1º Exército e lá no Forte São João deu a ordem a um deles para pular de certa elevação do Morro da Urca; ouviu, então, do malandrinho carioca: – “Meu general, o senhor já está bêbedo a essa hora? ”

ESTRABISMO

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

                       “Ao contrário do que se diz, não é a ocasião que faz o roubo, o ladrão já nasce pronto” (Olavo Bilac)

É possível que vários entre nós sofra desse transtorno ótico ou comportamental. Do ponto de vista médico o Estrabismo é uma patologia oftalmológica que consiste no desalinhamento dos olhos. Este desvio do eixo visual de um ou dos olhos tem geralmente origem na infância, mas pode ocorrer também entre adultos.

Nos dias de hoje não é nada assustador, pode ser corrigido nos casos simples pelo uso de óculos e nos problemas maiores, pela cirurgia.

Quanto ao estrabismo comportamental, bastante comum na nossa realidade política, trata-se de um lance mais complicado. No mundo da psiquiatria e da psicologia vem se estudando a visão distorcida da realidade.

Em pesquisa atual realizada pelo Instituto Weizmann de Ciência, em Israel, aponta-se que o cérebro de quem sofre desse mal falha ao diferenciar estímulos e é registrado entre as pessoas ansiosas mais factíveis ao estresse.

Antes, apareceu o diagnóstico de que a forma deformada de ver, pensar ou agir é um desdobramento da personalidade, ou seja, uma manifestação esquizofrênica. Como é bastante sabido, “Esquizofrenia” é uma palavra originária do grego antigo, “skizo” – dividir, separar, e “fren”, o pensamento.

Então, pelas duas versões experimentais, não se trata somente de uma questão comportamental. Se a gente faz um movimento nos olhos para fingir estrabismo por brincadeira, não corre o risco de se tornar estrábico; mas se se mostra deformado mentalmente na maneira de agir, não tem cura e geralmente leva ao crime.

Repetindo que o modo distorcido de encarar a realidade é comum na política brasileira, temos a sua repetição doentia nas ações e pronunciamentos de Lula da Silva. Dele, tivemos recentemente a presença em comício na cidade de Maricá, de prefeitura petista, falando a funcionários municipais uniformizados.

Afirmou que a política entrou num processo de destruição no Rio de Janeiro e acusou a Operação Lava Jato pela situação crítica do Estado. Defendeu explicitamente o bandidão condenado e preso Sérgio Cabral, dizendo que crê ainda que o ex-governador sofre perseguição política.

Além de corrupto, esquizofrênico, Lula não enxerga que Cabral é culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro em um dos dez casos em que o peemedebista é réu. E que ainda restam nove julgamentos.

Em paralelo, responsabilizando pelas mazelas do Estado as investigações feitas pela Polícia Federal e o Ministério Público no Rio, a enfermidade mental do Pelegão é aguda. Zarolho política e psicologicamente afirmou que “Não pode, por causa de meia dúzia que eles dizem que roubou, mas ainda não provaram, causar esse prejuízo”.

É um caso de internação, não hospitalar, mas em prisão comum. É imperdoável um indivíduo no exercício da política negar a roubalheira na Copa e nos Jogos Olímpicos, a não ser que tenha tido participação comunitária nela. Um caso típico de autodefesa.

O filósofo e enciclopedista francês Claude Adrien Helvétius no seu livro “Do Espírito” escreveu que “O interesse seria capaz de fazer negar as mais evidentes proposições da geometria e de fazer crer os contos religiosos mais absurdos“.

Lula, se defendendo, ainda se comporta melhor na sua loucura do que o seu bando de seguidores que são definidos pelo mesmo Helvétius: “Os homens são tão estúpidos que um crime repetido acaba por lhes parecer uma coisa normal”.

 

 

 

 

Voltaire

Amor Comparado

Queres ter uma ideia do amor, vê os pardais do teu jardim; vê os teus pombos; contempla o touro que se leva à tua vitela; olha esse orgulhoso cavalo que dois valetes teus conduzem à égua em paz que o espera, e que desvia a cauda para recebê-lo; vê como os seus olhos cintilam; ouve os seus relinchos; contempla os seus saltos, camabalhotas, orelhas eriçadas, boca que se abre com pequenas convulsões, narinas que se inflam, sopro inflamado que delas sai, crinas que se revolvem e flutuam, movimento imperioso com o qual o cavalo se lança para o objecto que a natureza lhe destinou; mas não tenhas inveja, e pensa nas vantagens da espécie humana: elas compensam com amor todas as que a natureza deu aos animais, força, beleza, ligeireza, rapidez. Há até mesmo animais que não sabem o que é o gozo. Os peixes escamados são privados dessa doçura: a fêmea lança no lodo milhões de ovos; o macho que os encontra passa sobre eles e fecunda-os com a sua semente, sem saber a que fêmea eles pertencem. A maior parte dos animais que copulam só têm prazer por um sentido; e, assim que esse apetite é satisfeito, tudo se extingue. Nenhum animal, com excepção de ti, conhece os entrelaçamentos; todo o teu corpo é sensível; os teus lábios, sobretudo, gozam de uma volúpia que nada cansa, e esse prazer só pertence à tua espécie; enfim, tu podes a qualquer tempo entregares-te ao amor, os animais têm o seu tempo específico. (…) Por isso, estás acima dos animais; mas, se gozas de tantos prazeres que eles ignoram, em compensação quantas tristezas os animais não fazem ideia! 

Voltaire, in ‘Dicionário Filosófico’

Guy Maupassant

O CAÇADOR DE PÁSSAROS

 

Por planícies e montanhas em

folhas de flores para caçar na primavera, ela

deixa caçar o amor do menino. Ele

sempre enche seu aviário,

porque ele é um caçador habilidoso.

 

Quando a noite se torna madrugadora,

tende loops, ou a massa

dispersa a liga traiçoeira;

então, sua impressão digital

revela-se com aveia ou milheto.

 

Lurk atrás das sebes verdes

ou ao longo dos riachos.

Está escondido na floresta de abetos

para não despertar dúvidas

nos pássaros inquietos.

 

Entre os lírios e o alecrim,

ou sob o quadro verde,

a criança habilidosa tende a rede,

e logo

o passarinho, o lincoln e o goldfinch vêm no rebanho .

 

Mais de uma vez com um jonquil

ou algumas vime montou um laço,

e então espiava o pássaro

que vem dar a um banquetazo

a isca que ele colocou o malandro.

 

Alegre, inexperiente, maliciosa,

o pássaro se aproxima do engano,

olha com olhos de encantamento,

é animado e, em seguida, por seu dano, ele

gula ganancioso e é preso.

 

O caçador incansável

sempre enche seu aviário,

e longe do prado e da flor

da montanha e do ribera verde

que mordeu a isca do amor.

 

 

Tradução: Leandro Calle

 

Jacques Prévert

O Meteoro

Pelas grades do bloco penitenciário
uma laranja
passa como um raio
e cai como uma pedra
dentro do sanitário
E o prisioneiro
todo lambuzado de merda
resplandece
todo iluminado de alegria
Ela não me esqueceu
Ela pensa sempre em mim ainda.

 

Tradução de Adriano Scandolara

CRÍTICAS

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

    Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem”   (Santo Agostinho)

Fico extremamente feliz quando recebo críticas aos meus textos, divulgados pelas redes sociais. Desta vez desejo responder com este artigo a avaliação, quase uma censura, apontando-me como agressor dos muçulmanos para proteger os israelenses.

Como tento despir-me de qualquer partidarismo com relação aos conflitos do Oriente Médio, faço críticas indistintamente a judeus e árabes, primos irmãos, cujas desavenças são muitas vezes inexplicáveis.

Sou contra, por exemplo, a adoção de Israel à doutrina nazista do “espaço vital”, ocupando militarmente territórios em detrimento dos palestinos; e condeno o tratamento nada civilizado que alguns países árabes dão às mulheres.

Tomo posição, igualmente, contra o militarismo israelita, o apoio dos árabes a terroristas e sua omissão quando da criação do Califado pelo ISIS.

Não faz muito tempo, quando o deputado Roberto Freire ocupava o Ministério da Cultura, defendi-o ao ser criticado por patrocinar uma exposição sobre a cultura árabe e, repeli mais tarde os ataques feitos ao Clube Hebraica por patrocinar um debate com o deputado Jair Bolsonaro.

Esses dois fatos têm semelhanças nas suas diferenças. O Clube Hebraica sempre teve um comportamento mais liberal do que os seus críticos sectários da Confederação Israelita do Brasil, defensora do expansionismo territorial em Israel promovido por extremistas da direita religiosa.

Nada obscurece a minha admiração pelos primeiros ocupantes do pequeno território do Estado de Israel cedido pela ONU por proposta brasileira do chanceler Oswaldo Aranha.

Exultei com a criação dos kibutzim, a luta heroica dos pioneiros pela coletivização da terra e o progresso obtido apesar da adversidade natural em menos de três décadas. Reconheço e admiro o desenvolvimento econômico democrático em pouco mais de 50 anos, primeiro no campo e depois na indústria, ambos sustentáveis, permitindo ao governo garantir subsídios ao desemprego, seguridade social e rendimento mínimo.

De outro lado, não posso negar o meu encanto e respeito pela cultura árabe, noves fora a intolerância do califa Omar que queimou 700 mil livros da Biblioteca de Alexandria, das ditaduras ainda vigentes e da escravocracia.

Entretanto, reservo o meu elogio ao que o Império Árabe ocupante da metade do mundo nos legou. Sua herança cultural excedeu todas demais civilizações na arquitetura, nas ciências e na Medicina. Na literatura, contribuiu com as lendas maravilhosas das Mil e Uma Noites.

Enquanto a Europa católica proibia a dissecação de cadáveres pelos estudiosos da anatomia humana, a medicina árabe mantinha atendimento clínico e criava a hospitalização; obteve notável avanço na cirurgia usando a anestesia.

Deve-se ao sábio Maomé-Ibn-Mousa a invenção do zero, um salto qualitativo e insuperável na Matemática, e, na Química, o Islã nos deixou o álcool, os ácidos cítrico e sulfúrico e o nitrato de prata.

Balanceando estas duas contribuições para os povos, a antiga e a contemporânea, somos obrigados a demonstrar que não agrido nem protejo árabes e judeus; eles nasceram como irmãos, semitas e camitas, e, com a sua origem étnica se bipartiram como canaanitas, israelitas, moabitas, amonitas e fenícios.

Mesmo sob críticas, sugiro que Jerusalém seja dividida entre judeus e palestinos; porque não? Aprendi com Aristóteles que só existe uma maneira de se evitar as críticas: “não fazer nada, não dizer nada e não ser nada”; e fui educado desde a tenra infância a não me meter em briga de família…

 

 

Stéphane Mallarmé (1887)

Dama

 

sem tanto ardor embora ainda flamante

A rosa que cruel ou lacerada e lassa

Se deveste do alvor que a púpura deslaça

Para em sua carne ouvir o choro do diamante

 

Sim sem crises de orvalho antes em doce alento

Nem brisa o fragor do céu leve ao fracasso

Com ciúme de criar não sei bem qual espaço

No simples dia o dia real do sentimento,

 

Não te ocorre, talvez, que a cada ano que passa

Quando em tua fronte se alça o encanto ressurreto

Basta-me um dom qualquer natural de tua graça

 

Como na alcova o cintilar de um leque inquieto

A reviver do pouco de emoção que grassa

Todo o nosso nativo e monótono afeto.

 

 

 

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Guillaume Apollinaire

A ponte Mirabeau

Sob a ponte Mirabeau corre o Sena

E os amores

De que não me esqueço

A alegria sempre antes da pena

Chega a noite fim começo

Vão-se os dias permaneço

Fiquemos de mãos dadas face a face

Enquanto sobre a ponte

De nossos braços passe

Dos olhares a já quase extinta fonte

Chega a noite fim começo

Vão-se os dias permaneço

Foge o amor como a água se ausenta

Foge o amor

Como a vida é lenta

E como a esperança é violenta

Chega a noite fim começo

Vão-se os dias permaneço

Passam os dias e as semanas passam

A vida aliena

Os amores se embaçam

Sob a ponte Mirabeau corre o Sena

Chega a noite fim começo

Vão-se os dias permaneço

(Editora L&PM, 232 páginas, 1984, tradução de Paulo Hecker Filho)
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